STF julgará se pais podem tirar filhos da escola e educá-los em casa

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 12 de agosto de 2018 às 13:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:56
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Discussão opõe pais e órgãos públicos – julgamento deve ocorrer no dia 30 e decisão valerá para todo o país

Um julgamento marcado para o
próximo dia 30 de agosto no Supremo Tribunal Federal (STF) está opondo pais de
alunos e órgãos públicos. A controvérsia envolve a possibilidade de os pais
tirarem os filhos da escola para ensiná-los em casa, prática chamada de
educação domiciliar.

Na Corte, os ministros vão decidir se essa forma de
ensino, conhecida internacionalmente como “homeschooling” e mais comum nos
Estados Unidos, passa pelo crivo da Constituição.

No artigo 205, a Carta trata a
educação como um “direito de todos e dever do Estado e da família”, a ser
“promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.

O objetivo, segundo a Constituição, é o “pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.

A ação no STF

A ação a ser julgada no STF
surgiu em 2012, quando uma estudante de Canela (RS), à época com 11 anos, pediu
ao juiz da cidade, com apoio dos pais, o direito de ser educada em casa.

O objetivo era derrubar decisão da Secretaria Municipal
de Educação que orientava os pais a matricularem a menina, com compromisso de
frequentar a escola.

Até 2011, ela havia estudado numa escola pública da
cidade, mas queria cursar o ensino médio com ajuda dos pais em casa. Motivo: a
escola juntava na mesma classe alunos de idades e séries diferentes.

Os colegas mais velhos, diziam os pais, tinham
sexualidade avançada e falavam palavrões, o que, para eles, não refletia um
critério ideal de convivência e socialização.

Os pais também discordavam de
algumas “imposições pedagógicas” da escola, como o ensino do evolucionismo – a
família é cristã, acredita no criacionismo e, diz a ação, “não aceita viável ou
crível que os homens tenham evoluído de um macaco”.

O juiz da comarca negou o pedido. Argumentou que “o
convívio em sociedade implica respeitar as diferenças” e que a escola é o
primeiro lugar em que a criança se vê diante disso, no contato com colegas de
diferentes “religiões, cor, preferência musical, até de nacionalidades
distintas, etc”. “O mundo não é feito de iguais”, escreveu o juiz na sentença.

A decisão foi mantida na segunda instância da Justiça
pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).

A família recorreu ao Supremo Tribunal Federal e, em 2016, o ministro
Luís Roberto Barroso suspendeu todas as decisões judiciais que impediam pais de
educarem os filhos em casa até a uma posição final do STF sobre o assunto.

A solução a ser adotada pelo Supremo – com proibição ou permissão, com
ou sem parâmetros mínimos para a prática do “homeschooling” no Brasil – valerá
para todos os casos.

Pelas estatísticas do STF, existem ao menos 40 ações paradas no país,
principalmente na região Sul, aguardando uma definição.

A Associação Nacional de Educação Familiar (Aned), que reúne pais e
ativistas da causa, estima em ao menos cinco mil o número de famílias que
ensinam cerca de 10 mil estudantes em casa – a expectativa delas é que a
decisão do STF traga segurança jurídica e evite processos judiciais como no
caso de Canela.

Órgãos públicos

O processo no STF colocou em polos opostos vários órgãos públicos, de um
lado, e pais e associações de defensores da educação domiciliar, de outro.

Manifestaram-se contra a constitucionalidade da prática a Advocacia
Geral da União (AGU), representando o Ministério da Educação e o Conselho
Nacional de Educação; além de procuradores de 19 estados do país.

Essas instituições afirmaram, em síntese, que Estado, sociedade e
família devem agir de forma conjunta e não isolada na educação das crianças e
adolescentes. “Quer dizer que cada um deve cumprir o seu papel e não que todos
devem atuar da mesma forma”, diz o parecer da AGU.

Outro argumento largamente utilizado é o da socialização. Para os órgãos
públicos, a escola é importante para dar ao estudante experiências e visões
diferentes daquelas apresentadas pela família.

Além do aspecto do convívio
com alunos de valores e origens diferentes, os representantes dos estados
também argumentaram que só a escola, com professores, pedagogos e assistentes,
tem a capacidade de ensinar um conteúdo completo e não algo “parcializado”. “O
Estado tem o dever legal de zelar para que as crianças de hoje sejam no futuro
cidadãos conscientes e com conhecimento mais amplo possível. […] Se os pais
pretendem ‘filtrar’ o ensino dos seus filhos, ausente o pluralismo de ideias”,
diz a manifestação do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do
Distrito Federal.

A Procuradoria Geral da
República (PGR) adotou posição intermediária. Disse que a Constituição não
proíbe “estratégias alternativas” de ensino, mas, para isso, são necessárias
regras legais a fim de propiciar “socialização e formação plena”.

Sem
lei aprovada pelo Congresso que permita aferir frequência e avaliação do
aprendizado, o STF não poderia liberar a prática sem regras mínimas, disse a
PGR.

Proposta

A rigor, um julgamento no STF
sobre a constitucionalidade do “homeschooling” não pode detalhar como o método
pode ser aplicado, tarefa que caberia ao Congresso, na aprovação de lei. Há,
porém, a possibilidade de a Corte estabelecer condições mínimas para a prática.

Na Câmara, há três propostas que tramitam em conjunto
para regulamentar a educação domiciliar.

Um projeto permite que os pais ensinem os filhos em
casa, mas os obriga a matriculá-los na escola para que sejam avaliados em
exames periodicamente e tenham o aprendizado inspecionado no ambiente em que
estudam.

As discussões se arrastam desde 2012, mas ainda não há
previsão de aprovação final pela Casa nem de remessa do texto ao Senado para
votação.

Professora da Faculdade de
Educação na Unicamp e com doutorado no tema, Luciane Barbosa considera a
regulamentação “absolutamente necessária”, mas um grande desafio.

Para ela, a desigualdade social e econômica do país faz
com a escola seja a principal ou única forma de acesso à educação da maior
parte da população. “Não basta simplesmente tornar a prática constitucional.
Mas deve-se regulamentá-la de maneira que as crianças e adolescentes de camadas
menos privilegiadas não tenham direitos desrespeitados. Hoje, infelizmente,
obrigar a criança a ir para a escola significa, para muitos, retirá-la, ao
menos em parte do dia, do trabalho infantil, da participação no tráfico”, diz.


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