Soro contra picada de abelha deve chegar aos postos de saúde em 2020

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 09:04
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:33
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O soro, que já se mostrou eficaz salvando vida em hospitais, ainda está na fase de testes

​Existia soro contra picada de cobra, aranha, escorpião, lagarto… Mas não havia nada contra a picada de abelha”, recorda o veterinário Rui Seabra, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que liderou as pesquisas para o desenvolvimento do antiapílico nos últimos 20 anos.

Anualmente, cerca de 15 mil pessoas sofrem acidentes com abelhas no Brasil. As mortes são em torno de 50.

Camila Presotto, técnica agrícola de Avaré (SP), entrou para a história da medicina por ser a primeira pessoa a receber esse tratamento, em agosto de 2016, na Faculdade de Medicina de Botucatu (SP).

“Sobrevivi graças ao soro, não tenho dúvida. Quando fui buscar uma vaca retardatária no pasto, levei entre 400 e 600 picadas de abelha, a maioria na cabeça”, conta, a voz ainda trêmula pelo susto.

O veneno da abelha libera muitas substâncias tóxicas, que provocam hemorragias, queda de pressão, tontura, visão turva, destroem as células vermelhas e os músculos, castigam os rins.

“Estava quase em falência renal quando fiquei sabendo que a Unesp tinha desenvolvido o antiapílico. Aceitei sem pestanejar a ser cobaia do experimento. Era questão de vida ou morte.”

No Apiário da Unesp, é possível entender a mecânica do envenenamento ao presenciar uma sessão de coleta ao lado do biólogo Ricardo Orsi: a abelha dá a vida para salvar o enxame. 

Defende-se cravando o ferrão numa pessoa ou animal e, quando alça voo de novo, a parte final de seu corpo fica enterrada na pele (e morre pouco depois). Abaixo do ferrão, está a bolsa de veneno.

Essa bolsa é programada geneticamente para ficar ali pulsando por longo tempo, liberando microgotas do veneno (imagine a Camila, com mais de 400 bolsinhas…).

“A questão do bem-estar animal é importante e, no nosso processo, a abelha não morre,” diz o professor Orsi, apresentando o aparelho extrator: uma placa de acrílico coberta com fios de arame eletrificados que é instalada na boca da colmeia. Ao passar pela placa intrusa, a abelha leva um pequeno choque de 12 volts e ataca. Como não crava o ferrão, só solta o veneno.

“A extração em 10 mil abelhas proporciona apenas 1 grama de veneno em pó”, diz Ricardo enquanto raspa cuidadosamente com gilete o veneno solidificado para um minúsculo tubinho que é, imediatamente, conduzido ao Centro de Estudos de Venenos de Animais Peçonhentos (Cevap), da Unesp.

“Muitas tentativas foram feitas para desenvolver o soro, dentro e fora do Brasil, mas nenhuma tinha ido para frente”, relata o doutor Rui Seabra, que dedicou mestrado, doutorado e pós-doutorado ao assunto.

Havia três grandes obstáculos para a evolução das pesquisas. Primeiro, reduzir o impacto do envenenamento nos animais soroprodutores. Não se inventou ainda maneira de se fazer soros e vacinas sem eles. Sensíveis como são, os cavalos (animais padrão no Brasil para esse tipo de trabalho) com o veneno bruto ficavam prostrados no chão.


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