Software pode evitar rejeições em 99% das transfusões de sangue

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 19 de maio de 2018 às 20:28
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:44
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Programa indica o risco de ocorrência de complicações em decorrência de incompatibilidade com 99% de acerto

A maior parte das pessoas está familiarizada com os tipos
sanguíneos A, B, AB e O, mas existem outras centenas de grupos antígenos nas
células vermelhas — substâncias que podem desencadear respostas imunológicas no
organismo — que diferem de indivíduo para indivíduo. Quando alguém recebe uma
transfusão, caso esses antígenos não sejam reconhecidos pelo corpo, pode até
morrer. Atualmente, não existem métodos para determinar todos eles. Porém, à
medida que o sequenciamento total do genoma se tornar rotineiro para os
pacientes, talvez seja possível identificar tanto os doadores quanto os
receptores em risco de rejeição, uma condição rara, antes das transfusões.

Em um estudo publicado na revista The Lancet Haematology,
pesquisadores do Hospital Brigham and Women e da Faculdade de Medicina de
Harvard, além do Centro de Sangue de Nova York, divulgaram o primeiro teste de
sequenciamento total do DNA para desenvolver e validar um programa de
computador custo efetivo que determine as diferenças nos tipos sanguíneos com
mais de 99% de acurácia.

“Complicações em transfusões de sangue são comuns em pacientes que
precisam desse procedimento de forma crônica, mas, com a tecnologia atual, não
é financeiramente possível fazer a testagem de sangue para todos os antígenos”,
diz William Lane, diretor do Laboratório de Informática Clínica do Hospital
Brigham and Women e primeiro autor do artigo. “Mas o algoritmo que
desenvolvemos pode ser aplicado para testar todo mundo para todos os grupos
sanguíneos relevantes a baixo custo, assim que for obtido o sequenciamento”,
complementa.

Antígenos estranhos

Transfusões de sangue são um dos procedimentos mais rotineiros da
medicina, com mais de 3,5 milhões feitas no Brasil a cada ano. Complicações
decorrentes podem levar a óbito. Quando o corpo encontra antígenos estranhos
nas células do doador, ele estimula a produção de anticorpos para destruir as
células doadas. Desde o nascimento, as pessoas desenvolvem substâncias
específicas de seu grupo sanguíneo, mas outros anticorpos podem ser estimulados
durante a gestação a partir da exposição da mãe às células fetais ou quando o
indivíduo é alvo de múltiplas transfusões. Dessa forma, aumenta o risco de o
organismo rejeitar o sangue de um doador. “Essa abordagem tem o potencial de
ser o primeiro uso clínico de rotina da genômica para os cuidados de pacientes
que precisam de transfusão”, acredita Connie M. Westhoff, pesquisadora do
Centro de Sangue de Nova York e coautora do artigo. “Ela pode prevenir sérias
ou mesmo letais complicações porque, uma vez que os pacientes são
sensibilizados, eles têm um risco crônico para reações caso estejam em uma
emergência médica e precisem de transfusões”, diz.

Validação

Hoje, a maior parte dos testes checam apenas a compatibilidade do
tipo ABO e do antígeno Rh entre doador e receptor, mas mais de 300 antígenos presentes
nas células sanguíneas e 33 nas plaquetas são conhecidos. Para criar uma forma
barata de examinar a reação do organismo de um grande número de pessoas a essas
substâncias, William Lane e os colaboradores se uniram para construir um banco
de dados e desenvolver o algoritmo, chamado bloodTyper (tipificador sanguíneo),
que pode predizer rapidamente e com acurácia o perfil dos antígenos do sangue a
partir de sequências genéticas. Lane, Westhoff e outros pesquisadores validaram
o software comparando os resultados a métodos tradicionais que, contudo, são
mais trabalhosos e caros.

O bloodTyper teve 99% de acurácia na identificação dos anticorpos
dos genomas de participantes do Projeto MedSeq. Trata-se de um estudo de
pesquisa empírica que tem como objetivo medir o impacto do sequenciamento total
do DNA na prática da medicina. Mais de 1 mil pessoas voluntariamente doaram
seus genomas para o banco de dados. “Esse artigo demonstra uma utilidade que
jamais havíamos imaginado e que poderá trazer grande benefício caso o
sequenciamento total do genoma torne-se uma rotina médica”, afirma Robert
Green, principal pesquisador do MedSeq. “O sequenciamento do genoma, agora,
pode identificar potenciais receptores de transfusões que precisam de tipos
sanguíneos raros, assim como as pessoas que podem fornecê-los de maneira
segura.”


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