Silvia

  • mmargoliner
  • Publicado em 26 de outubro de 2016 às 09:11
  • Modificado em 26 de outubro de 2016 às 09:11
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Fazia cinco anos que Silvia havia partido. Sem rumo, sem parada certa. Saíra de seu porto seguro em busca de algo maior. Uma coisa que não conseguia ver atrás das cortinas escuras da sala de estar. Só sentia algo latejar dentro de seu peito. Não conseguia identificar o que era. Mas o comichão insistia em bater à sua porta. Fez as malas. E na ânsia de partir, não deixou rastros. Nem recados. Correu para fora daquela casa que conhecia tão bem, mas que ficara pequena para ela. Não viu a noite chegar e nem o sol brindar um novo dia. Quando percebeu, havia caminhando dias, meses, anos. E nesse caminhar, sentiu a magia das cores, da liberdade, da contraditoriedade dos sentimentos, dos encontros e desencontros, das descobertas. Caiu muitas vezes. Enquanto se levantava, ia curando as feridas. Sentia-se como uma borboleta saindo do casulo. Louca para descobrir o mundo. Deixar-se levar pelo vento, pelos cheiros… Cinco anos. Fazia exatos cinco anos que ela havia partido e tão pouco naquela casa havia mudado. Os retratos nos mesmos lugares. O pó tirado dos móveis com perfeição e o cheiro gostoso do pão assado na hora. Tudo igual. E ao mesmo tempo tão diferente… Foi ali que Silvia entendeu que por mais que o tempo tivesse passado, nada mais seria como antes. Muito menos ela, que agora descobria em si, uma nova forma de enxergar o mundo. Transformara-se em outra pessoa. Mais leve, mais centrada, mais feliz. Por isso, ela sabia, bem lá no fundo, onde aquele comichão havia começado tudo, que ela estava só de passagem. Como nuvem que abre espaço para a chuva gostosa de verão. Como os pássaros que anunciam que é chegado o entardecer. E como a Fênix, que precisou morrer para ressurgir das cinzas. Mais forte e ainda mais feliz.


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