Entenda como o sarampo faz o corpo “esquecer” de combater infecções

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 2 de novembro de 2019 às 22:38
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:59
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Doença tem impacto devastador no organismo e pode debilitar por anos a capacidade de combate à infecções

​O sarampo tem um impacto devastador no sistema imunológico que pode debilitar por anos a capacidade do corpo de combater infecções, segundo demonstraram recentes publicações de estudos científicos. 

O vírus que causa a doença pode levar também a uma “amnésia imunológica” — o que significa que o corpo esquece como combater os micro-organismos que antes sabia derrotar..

O sarampo também reverte o sistema imunológico para um estágio “infantil”, comprometendo sua capacidade de criar maneiras de combater novas infecções. Especialistas comentando os estudos apontaram que os resultados reforçam a importância da vacinação.

O que é o sarampo? 

O sarampo é um vírus que causa inicialmente sintomas como coriza, espirros e febre. Alguns dias depois, acontece uma erupção cutânea que começa no rosto e se espalha pelo corpo. 

A maioria das pessoas se recupera, mas o sarampo pode causar sequelas por toda a vida. Pode ser também letal, principalmente se levar à pneumonia ou encefalite (inchaço no cérebro).

Estima-se que 110.000 pessoas morram de sarampo a cada ano em todo o mundo. De onde vêm essas descobertas recentes? Os resultados vieram de análises detalhadas de casos de crianças não vacinadas em uma comunidade protestante ortodoxa na Holanda. Amostras de sangue foram coletadas das crianças e, posteriormente, em outra ocasião após um surto de sarampo em 2013.

Grupos de pesquisa nos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda se debruçaram sobre as amostras para avaliar o impacto do sarampo no sistema imunológico. O foco estava nos anticorpos, as pequenas proteínas que aderem a “invasores” para desarmá-los, e nos glóbulos brancos que as produzem. 

Como o sarampo destrói a memória imunológica? 

O sistema imunológico guarda uma memória dos invasores contra quem já lutou antes. Parte dessa memória é mantida nas células B, que são um tipo de célula imune especializada na produção de apenas um tipo de anticorpo. 

Mas o vírus do sarampo pode infectar e destruir essas células, causando a “amnésia imunológica”. Com amostras de sangue de 77 crianças, pesquisadores da Escola Médica de Harvard conseguiram fazer um retrato incrivelmente detalhado disso usando uma ferramenta chamada VirScan — que é como uma vara de pescar altamente tecnológica com a capacidade de pegar milhares de tipos diferentes de anticorpos correndo em nosso corpo.

Rastreando anticorpos antes e depois de uma infecção por sarampo, eles perceberam que, após a doença, as crianças perderam em média 20% de seu repertório de anticorpos. Uma criança em particular, que teve uma infecção mais grave pelo sarampo, perdeu 73% dos tipos de anticorpos que conseguia produzir antes. Estes e outros resultados foram publicados na Science. “O sarampo é como os primeiros 10 anos de uma infecção por HIV não tratada comprimida em poucas semanas. Essa é a dimensão do dano à memória imunológica”, resumiu o pesquisador Michael Mina.

Quão sério é isso? Nem todo anticorpo é importante

Um anticorpo pode ser um do grande grupo daqueles que fazem muito pouco, mas outro pode neutralizar completamente um intruso microscópico. “Se você excluir esse, terá um problema”, explica o professor Stephen Elledge. Essencialmente, é um jogo de azar, mas quanto mais anticorpos são eliminados, maior a chance de atingir um “jogador crucial”.

E sem ele, seu corpo pode ficar vulnerável a infecções mais uma vez. No estudo, isso ficou evidenciado em um anticorpo em particular, que está desaparecendo em algumas crianças e tem a capacidade de neutralizar o vírus sincicial respiratório. Elledge diz que o sarampo é ainda mais perigoso do que se pensava, já que pode haver “cinco vezes ou mais mortes indiretas devido à amnésia imunológica”.

O que pode ser feito em relação a isso? 

Há duas respostas para essa perguntas, e ambas estão relacionadas à vacinação. Estar imunizado contra o sarampo, na maior parte das vezes pela vacina tríplice viral, quase elimina o risco de contrair a doença. Mas se o sistema imunológico de alguém é devastado pelo sarampo, os pesquisadores sugerem que a pessoa talvez tenha que tomar suas vacinas de infância novamente.

O que os especialistas dizem? 

O imunologista Arne Akbar, presidente da Sociedade Britânica de Imunologia, disse que os estudos são “minuciosos”. Ele destaca a importância da descoberta de que a vacina tríplice viral, que contém uma versão enfraquecida do vírus, não causa “amnésia imunológica”. “Então, é duplamente importante garantir que você e seus filhos estejam vacinados”, diz ele. Liam Sollis, do Unicef (fundo da ONU para a infância), diz que quando um país perde o status de livre do sarampo, um surto é uma questão de tempo. “Vacinas são a forma mais segura e mais efetiva de se prevenir contra doenças altamente contagiosas”, diz Sollis.


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