Robôs analisam editais, atas de preços e relatórios de auditores do TCU

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 19 de março de 2018 às 00:27
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:37
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Alice, Sofia e Monica são robôs que ajudam o Tribunal de Contas da União a caçar irregularidades

Os auditores do Tribunal de
Contas da União recebem pontualmente às 19h um e-mail de Alice. São os resumos
das centenas de contratações federais publicadas naquele dia. Prestativa, ela
já indica quais podem conter irregularidades. Diferente do que seria de
esperar, Alice não é um servidor público megaprodutivo. Ela é um robô, usado
pelo TCU para caçar fraudes e outras irregularidades em licitações
. “A
gente precisa saber o que está acontecendo, saber o que está sendo contratado,
saber que obras estão sendo feitas, saber como a política pública está sendo
contratada.”

Alice trabalha ainda com Sofia
e Monica, outras duas companheiras robóticas que como ela não têm braços,
pernas ou corpos de metal. São um conjunto de linhas de código que “vivem” nos
sistemas do TCU. Elas “leem” o grande volume de texto produzido e analisado
pelo tribunal para encontrar incongruências, organizar melhor as informações e
apontar correlações.

As três robôs já são usadas por servidores da
Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal, Polícia Federal e
tribunais de contas dos Estados. Depois de dicas delas, licitações com falhas
já foram canceladas e compras públicas enviesadas tiveram que ser refeitas.

Alice

No ar desde fevereiro de 2017, Alice é um acrônimo para Análise de
Licitações e Editais. O robozinho lê editais de licitações e atas de registro
de preços publicados pela administração federal, além de alguns órgãos públicos
estaduais e estatais. Para isso, coleta informações do Diário Oficial e do
Comprasnet, o sistema que registra as compras governamentais. A partir daí, ela
elabora uma prévia do documento e aponta aos auditores se há indícios de
desvios. Verifica, por exemplo:

– se um edital exige dos participantes certidões que o TCU não considera
pré-requisitos, como documentos de regularidade junto ao CREA;

– se a licitação está prestes a entregar uma contratação para alguma
empresa impedida de contratar junto à administração pública;

– se as empresas concorrentes têm sócios em comum.

“Esses dados não são em si irregularidades, mas indícios que apontam
para o auditor olhar o edital de maneira mais detalhada”, diz Silva.

A auditora federal Tania Lopes Pimenta Cioato foi uma das primeiras a
ter contato com Alice, ainda em sua fase de piloto, em novembro de 2016.
“Eu recebo por dia entre 30 e 40 editais e entre 15 e 20 atas”, diz.

Marcelo
Rodrigo Braz, o titular da Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da
Informação do TCU, responsável pelos robôs, diz que o principal trunfo é “evitar
que a irregularidade ocorra”, diz Braz.

A
Alice já ajudou auditores a frear contratações públicas irregulares pelo país.
Em Goiás, dois editais de uma obra foram suspensos no ano passado. Em Roraima,
o órgão público foi obrigado a refazer o edital. Ela também já constatou
editais irregulares do Itamaraty e de reformas com recursos do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Há também exemplos dos
parceiros do TCU. O Ministério Público da Paraíba começou a ter contato com as
plataformas em junho de 2017. “A gente usa a Alice como indicador. Ele cruza os
editais diários e identifica a potencialidade”, diz Octávio Celso Gondim Paulo
Neto, promotor do MP-PB. 

Sofia e Monica

Enquanto Alice faz sugestões do que investigar, Sofia não é
tão contida. Ela aponta erros nos textos dos auditores, sugere correlações de
informações e indica outras fontes de referência. “A Sofia é um robozinho que
vai no texto do auditor e tenta achar algo que pode ser alguma coisinha que ele
deixou passar ou alguma informação que ele devia saber”, comenta o diretor
sobre o trabalho do robô, cujo nome é uma abreviação para Sistema de Orientação
sobre Fatos e Indícios para o Auditor.

Por exemplo: em um texto que
propõe punição a uma empresa, ela pode indicar se há sanções contra a companhia
ou se ela consta em processos no tribunal. Ou ainda apontar se a empresa possui
outros contratos com a administração pública. “A Sofia é um botãozinho no
Word”, explica Cioato. Ao apertá-lo, ela lista informações associadas aos
números de CNPJ, do processo e de CPF incluídos no texto. Diz até se algum dos
envolvidos já morreu.

Trabalhando há 10 anos no TCU,
a auditora diz que os dois robozinhos ajudam. “Se fosse alguma burocracia, mais
um processo obrigatório de trabalho, alguém poderia dizer que dificulta, mas
não. Facilita muito”, diz ela.


Monica é um painel que mostra todas as compras públicas, incluindo as que a
Alice deixa passar, como contratações diretas e aquelas feitas por meio de
inexigibilidade de licitação (quando um serviço ou produto possui apenas um fornecedor). 

‘Cérebro’

Alice, Sofia e Monica são interfaces de um sistema maior,
chamado de Laboratório de Informações de Controle (Labcontas). Ele funciona
como o “cérebro” das robôs e é de onde elas tiram as informações em que baseiam
suas sugestões e pitacos. Ele reúne 77 bases de dados, como:

– Registro
de contas governamentais;

– Lista
de políticas públicas;

– Composição
societária de empresas;

– Contratações
que possuem recursos públicos;

– Servidores
públicos processados por instâncias de controle.

No Labconta, essas informações estão colocadas em um local único e de
forma integrada. Isso nos permite ver em perspectiva o impacto de uma coisa
sobre a outra, como esxplicou Silva. Além disso, o sistema possui tecnologias
que permitem o cruzamento da informação de uma base com os dados de outra.

É ao Labconta que os promotores mais recorrem. Extraíram de lá, por
exemplo, informações usadas para identificar no ano passado 320 pessoas que
recebiam benefícios indevidos do Instituto de Previdência do Município de João
Pessoa (IMP/JP).

A partir de uma denúncia, o MP-PB garimpou no sistema dados a partir das
matrículas de todos os 5 mil servidores do órgão. Descobriu que alguns deles
não tinham vínculo com o IPM, mas recebiam contribuições previdenciárias mesmo
assim.

Dentro do TCU, o uso do
Labconta é considerado uma revolução. Na área que investiga benefícios
previdenciários e trabalhistas, por exemplo, conseguir dados como o de
aposentadorias era uma maratona que demorava alguns dias. Até quatro meses já
foram consumidos nesse tipo de análise. “O que mudou foi a tempestividade.
Antes, a gente fazia um trabalho desses a cada dois anos. Agora, a gente recebe
as bases atualizadas mês a mês”, diz Rodrigo Hildebrand, auditor federal
do TCU.

A quantidade de dados também
aumentou. Até a implantação do Labcontas, há quatro anos, o TCU analisava com
mais frequência três tipos de benefícios previdenciários: pensão por morte,
benefícios rurais e aposentadoria por idade. O sistema permitiu a análise de
todos os 96 benefícios.

Com isso, diz Hildebrand, conseguem detectar mais
facilmente pagamentos irregulares de seguro-defeso (uma espécie de
seguro-desemprego para pescadores artesanais) e de Bolsa Família. “Na
administração pública, toda informação que é trabalhada está em base de dados.
Se o auditor não tiver acesso a essa informação para que ele possa trabalhar, o
trabalho de auditoria é completamente inviabilizado”, diz o secretário
Marcelo Rodrigo Braz. 

Futuro

Silva diz que nenhuma das plataformas estão concluídas e melhorias
ainda estão nos planos. A Alice, por exemplo, ainda deve ganhar habilidade para
observar outros detalhes. Os técnicos chamam isso de “regras”. Hoje a Alice não
olha dispensa de licitação, mas isso já está no radar.

Outras melhorias são tornar os apontamentos do robô mais precisos, incluir mais bases de dados e levar todas as aplicações a outros órgãos públicos.


+ Tecnologia