Presentear ou não os filhos com bens materiais como recompensa?

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  • Publicado em 3 de novembro de 2015 às 23:28
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 17:30
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Maioria dos pais adota esse sistema como forma de ensinar para os pequenos o que é certo ou errado

Se a criança for bem na escola, ganha o brinquedo que deseja. Se raspa o prato, pode comer um chocolate. Se organiza o quarto e os brinquedos, pode assistir televisão fora do horário. Muitos pais adotam o sistema de recompensas como forma de ensinar para os pequenos o que é certo ou errado. Mas até que ponto essa prática pode ser considerada positiva?

Uma das formas mais comuns de recompensa é liberar guloseimas, como chocolate, após a criança ter feito algo positivo ou se comportado bem

De acordo com o estudo publicado no Journal of Consumer Research, realizado pelas investigadoras norte-americanas Marsha Richins, da Universidade de Missouri e Lan Nguyen Chaplin, da Universidade de Illinois, Chicago, este comportamento é prejudicial ao desenvolvimento das crianças, levando-as a se tornarem adultos materialistas – aqueles que foram recompensados materialmente enquanto filhos revelaram-se mais propensos ao pensamento de que são as posses que definem uma pessoa. “Ao usar bens materiais para expressar amor ou recompensar as crianças pelas suas realizações pode ter efeitos negativos”, escreveram as autoras. “Pais afetuosos podem, inadvertidamente, incentivar os seus filhos ao materialismo, mesmo que se esforcem por afastá-los da dependência dos bens materiais como fonte de felicidade e que os eduquem para não julgar os outros”.

 

REALIDADE X FACILIDADES

A psicopedagoga Ana Mara Jorge concorda com o resultado do estudo. Para ela, seria mais inteligente mostrar para as crianças a realidade das coisas, os efeitos da omissão, caso não cumpram com seus deveres. “Como podemos esperar uma sociedade justa, se o justo para nós é a compensação, alguma forma de pagamento por qualquer coisa que façamos? “, indaga.

Para ela, muitos pais acreditam que presentear é somente dar brinquedos caros, mas quando eles dão pequenos mimos, estão ensinando para essa criança que é fácil adquirir um bem material. “Crianças não têm noção de preços e valores. Por conta disso, aquele brinquedo que veio na caixa de cereal tem o mesmo efeito de recompensa quanto o que você precisou parcelar em 10x no cartão”, destaca Ana Mara, acrescentando que a curto prazo, isso pode resultar somente em birras isoladas e pedidos descabelados dentro do shopping. Mas a longo prazo, pode contribuir para que essas crianças se tornem adultos extremamente consumistas, impulsivos e nunca satisfeitos com suas conquistas.

E foi justamente o que constatou o estudo realizado com 701 adultos, para medirem a longo prazo, o impacto das recompensas com recurso aos bens materiais. Foi pedido aos pais que descrevessem a sua situação de vida atual, os seus valores, bem como uma variedade de circunstâncias das suas infâncias, a sua relação com os próprios pais e as recompensas e punições que receberam durante três épocas específicas das suas infâncias.

Os resultados mostraram que os adultos que tinham recebido mais recompensas materiais e punições enquanto crianças apresentavam maior probabilidade para usar as posses para definir e expressar quem são.

Os pais que receberam muitas recompensas materiais enquanto crianças são mais suscetíveis de continuar a recompensar-se com bens materiais e a definirem-se através de suas posses. “Geralmente quando falamos em recompensar o bom comportamento de nossos filhos pensamos em algo material, algo tangível, como um doce ou um presentinho, esquecendo que as melhores recompensas são as não materiais”, diz a psicopedagoga, lembrando dos elogios, abraços, do tempo compartilhado juntos, assistir a um filme comendo pipocas no sofá de casa, contar-lhes um conto, colocar uma música e dançar na sala. “Essas são as melhores recompensas com as quais podemos brindar nossos filhos, já que além de reforçar a sua autoestima, temos a oportunidade de lhes fazer saber que o que estão fazendo está muito bom e é o que esperamos deles”, destaca.

Uma das melhores formas de recompensar os filhos é através do afeto e atenção, interagindo com eles em programas simples, como um jogo de tabuleiro

MATERIAL NA HORA CERTA

Mas ela reconhece que às vezes, os prêmios materiais são oportunos, como por exemplo, preparar uma comida especial que os filhos gostam ou levá-los ao zoológico ou ao cinema por haver feito algo muito bem. “Se os prêmios materiais não se tornarem um costume ou obrigação, não existe nenhum inconveniente em utilizá-los de forma pontual para reforçar uma boa conduta, como por exemplo, comprar-lhe um livro depois de passar por um mau momento”, observa.

Como sempre, o sentido comum é o melhor conselheiro. O objetivo é que a criança se sinta satisfeita e orgulhosa do seu bom comportamento e que no futuro saiba se comportar pela simples razão de ter feito as coisas da maneira correta.