Por que o abuso de álcool impacta mais as mulheres do que os homens

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de agosto de 2018 às 17:46
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:58
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Cada vez mais mulheres sofrem de alcoolismo, considerado até algumas décadas, problema masculino

Os homens costumavam ser os
grandes consumidores de bebida alcoólica da sociedade ocidental – talvez Don
Draper, o anti-herói da série americana Mad Men, seja a melhor representação
deste estereótipo na cultura popular.

No seriado, ambientado nos
anos 1960, não faltam doses de uísque no escritório, almoços regados a
coquetéis e rodadas de drinques após o expediente. Naquela época, o bar era um
lugar em que poucas mulheres se atreviam a pisar.

No entanto, epidemiologistas observam que o aumento das
propagandas de bebida direcionadas às mulheres e as mudanças nos papéis
atribuídos aos gêneros alteraram gradativamente esse cenário.

No geral, os homens ainda são quase duas vezes mais
propensos a consumir álcool em excesso do que as mulheres. Mas isso não se
aplica, especificamente, aos mais jovens. Na verdade, as mulheres nascidas
entre 1991 e 2000 bebem tanto quanto os homens da mesma geração – e podem vir a
superá-los.

Ao mesmo tempo, elas estão
sofrendo cada vez mais com os efeitos nocivos do álcool. Pesquisas mostram que,
de 2000 a 2015, houve um aumento de 57% na taxa de mortalidade por cirrose
entre mulheres de 45 a 64 anos nos Estados Unidos, comparado a um percentual de
21% entre os homens da mesma idade. Na faixa dos 25 aos 44 anos, a alta foi de
18%, enquanto, entre o sexo masculino, houve uma queda 10%.

O número de mulheres adultas que dão entrada em
emergências de hospital por overdose de álcool também está subindo rapidamente.
E os padrões de consumo de risco vêm aumentando, particularmente, entre o sexo
feminino.

Mas o problema não é apenas que elas estão bebendo mais.
Pesquisadores descobriram que o corpo feminino é afetado de maneira diferente
pelo álcool – por razões que vão além da estatura. 

Mulheres
têm uma maior vulnerabilidade fisiológica ao álcool

De acordo com cientistas, as mulheres produzem quantidades menores de uma
enzima chamada álcool desidrogenase (ADH), que é liberada pelo fígado e usada
para metabolizar o álcool.

Além
disso, a gordura retém o álcool, enquanto a água ajuda a dispersá-lo. Então,
graças a seus níveis naturalmente mais altos de gordura e mais baixos de água
corporal, as mulheres apresentam uma resposta fisiológica ainda mais complicada
ao álcool.

As mulheres que consomem
álcool em excesso também tendem a desenvolver dependência e outros problemas de
saúde com mais rapidez que os homens. É o chamado efeito
“telescópico”: elas costumam começar a beber mais tarde que os
homens, mas levam muito menos tempo para se tornar dependentes e apresentar
doenças hepáticas ou cardíacas.

Muitas
diferenças sobre o efeito do álcool no organismo de homens e mulheres só foram
descobertas nas últimas décadas. O primeiro estudo sobre produção de ADH,
baseado nas distinções de gênero, por exemplo, foi publicado em 1990.

Na
verdade, quase todas as pesquisas clínicas sobre álcool foram feitas
inteiramente com homens até a década de 1990. Em parte, porque os cientistas
eram incentivados a eliminar o maior número de variáveis possíveis, que
pudessem influenciar os resultados de um experimento – e uma delas era o
gênero.

Como o
alcoolismo era considerado um problema predominantemente masculino, ninguém
pensou nas consequências de não se estudar a relação entre as mulheres e o
álcool.

Esse
cenário mudou quando organizações governamentais, como os Institutos Nacionais
de Saúde dos Estados Unidos, determinaram que mulheres e minorias fossem
incluídas em estudos clínicos. Foi assim que as lacunas de gênero no campo da
pesquisa médica começaram a ser preenchidas.

“As pessoas simplesmente não pensavam nas mulheres”, diz Sharon
Wilsnack, professora de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Universidade
de Dakota do Norte, nos EUA.

“E,
quando pensavam, apenas presumiam que você poderia estudar os homens e aplicar
(os resultados) às mulheres.”

Durante
o doutorado, na Universidade de Harvard, no início dos anos 1970, Wilsnack
escreveu uma dissertação sobre mulheres e álcool. A revisão da literatura
contou apenas com sete estudos encontrados na biblioteca.

Junto ao
marido, que é sociólogo, Wilsnack passou a liderar o primeiro estudo nacional
de longo prazo sobre o hábito de beber das mulheres.

Entre
suas muitas descobertas, estava a constatação que parte das mulheres que abusam
do álcool sofreram abuso sexual na infância, uma diferença de gênero que passou
a ser considerada crucial para ajudar mulheres com dependência. 

Mulheres bebem por motivos diferentes dos homens

Desde então, pesquisas sobre álcool baseada em gênero
revelaram uma série de outros resultados específicos para cada sexo.

Nos anos
2000, exames pareciam mostrar que os cérebros das mulheres são mais sensíveis
ao álcool que o dos homens. Mas Marlene Oscar-Berman, professora de Anatomia e
Neuropsicologia da Universidade de Boston, fez uma descoberta que provocou uma
reviravolta nesse campo.

Em uma
pesquisa que contou com participantes com e sem histórico de alcoolismo, sua
equipe percebeu que os homens alcoólatras tinham “centros de
recompensa” cerebrais menores do que aqueles que não bebiam.

Essa
área do cérebro, composta por partes do sistema límbico e do córtex frontal,
está ligada à motivação – fundamental para tomar decisões e até mesmo para
sobrevivência básica.

Mas, nas
mulheres com dependência, os centros de recompensa eram maiores do que o das
não alcoólatras – o que significa que seus cérebros estavam menos danificados
do que o dos homens.

“A
pesquisa mostrou que estávamos errados”, diz Oscar-Berman. “Nossas
descobertas vão de encontro à ideia geral de que as mulheres são mais
suscetíveis aos danos do álcool no cérebro do que os homens.” Os
cientistas ainda não sabem, no entanto, o que pode causar essas diferenças.

Segundo Sugarman, descobertas como essa reforçam a importância de estudos
específicos de gênero sobre álcool e dependência.

Ela cita
pesquisas recentes que mostram que as mulheres dependentes de álcool têm uma
resposta melhor quando participam de grupos de tratamento exclusivo para o sexo
feminino, que também educam sobre questões específicas de gênero relacionadas à
dependência e à motivação para beber.

Talvez
não seja surpresa, mas as razões femininas são diferentes das masculinas.
Estudos relevam que o consumo de bebida alcoólica por mulheres está ligado a
questões emocionais, enquanto os homens são mais movidos pela pressão social.

Por causa das motivações
distintas, das vulnerabilidades biológicas e especialmente do vínculo entre o
alcoolismo e traumas do passado, as necessidades de tratamento femininas podem
ser diferentes das masculinas.

Por exemplo, mulheres que foram vítimas de abusos
sexuais podem não se sentir seguras ao entrar em um grupo de terapia padrão,
onde 70% dos participantes costumam ser homens. Para elas, é benéfico ouvir
histórias de outras mulheres e saber que não estão sozinhas.

Pelo
menos, dizem os especialistas, ficaram para trás os dias em que se acreditava
que pesquisas sobre consumo de álcool feitas com homens poderiam simplesmente
ser aplicadas às mulheres.


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