Poluição sonora pode ter influência direta até mesmo na obesidade

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 18 de novembro de 2018 às 18:29
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:10
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Segundo a OMS, a poluição sonora desencadeia reações de estresse no organismo que levam a diversos danos

A poluição sonora é um
problema mais grave do que pode parecer. A Organização Mundial de Saúde (OMS)
reconhece que barulho é um tema sério, pois a poluição sonora afeta diretamente
a qualidade de vida de milhões de pessoas.

Em um relatório
recente, a organização estipulou recomendações de níveis máximos de barulho em
locais públicos como forma de combater doenças decorrentes da influência do estresse
sonoro.

Um dos documentos que serviram de base às
recomendações associa o excesso de ruído a doenças metabólicas e
cardiovasculares, déficits cognitivos em crianças, zumbidos nos ouvidos,
distúrbios do sono, danos ao aparelho auditivo e até mesmo à obesidade.

Estresse como fator

Segundo a OMS, a poluição sonora desencadeia reações
de estresse no organismo que levam a diversos danos. “Os efeitos
fisiológicos do barulho são geralmente induzidos por dois sistemas diferentes,
o eixo da medula da glândula suprarrenal e o eixo
hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA)” explica o documento. O eixo da
medula da glândula suprarrenal é ativado por uma “reação em cadeia que
leva à excreção de adrenalina e noradrenalina”.

“O mecanismo
prepara o corpo para a luta ou a fuga, mobilizando a energia nos músculos,
coração e cérebro e reduzindo o fluxo de sangue nos órgãos internos”, o
que deixa o corpo humano em estado de alerta, explica o documento.

Já a hiperatividade
do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA) está associada a situações de
estresse crônico, quando o corpo secreta o hormônio cortisol. Sentimentos de
aflição, ansiedade e depressão estão associados a esse quadro, aponta o
relatório. Ou seja, a exposição recorrente a muito barulho causa a liberação
desregulada de hormônios, o que afeta negativamente o organismo.

A OMS recomenda que uma pessoa não esteja exposta a
mais de 30 decibéis A-ponderados (dB(A)) no quarto de dormir. Igualmente, é
recomendado que escolas restrinjam o barulho em sala de aula a menos do que 35
dB(A), para garantir condições de ensino ideais.

Por exemplo, zero dB(A) é considerado o ponto em que
uma pessoa começa a ouvir sons. Um sussurro a cerca de 90cm de distância
equivale a 30 dB(A). Uma autoestrada a 15 metros de distância corresponde a
cerca de 80 dB(A). Já uma motosserra chega a até 110 dB(A).

A exposição a sons que ultrapassem os 120 dB(A) sem
o uso de proteção pode causar dor física.

Grupos vulneráveis

Alguns grupos são
mais vulneráveis a esse tipo de problema, segundo a OMS: “As crianças
passam mais tempo na cama do que os adultos, elas ficam mais expostas ao ruído
à noite. Doentes crônicos e idosos são mais sensíveis a distúrbios e os
trabalhadores noturnos correm maior risco, porque sua estrutura de sono está
sob estresse”, exemplifica o relatório.

Além disso, as
populações mais pobres, que muitas vezes não podem escolher morar em bairros
mais calmos ou ter residências com isolamento adequado, também sofrem
desproporcionalmente mais.

O comprometimento do desenvolvimento e da educação
na primeira infância causado pelo ruído “pode ter efeitos ao longo de toda
a vida no desempenho acadêmico e na saúde” alerta a OMS.

A exposição contínua de crianças a ruídos altos como
o de aeronaves prejudica o desempenho cognitivo, afeta o bem-estar diminuindo a
motivação e atua sobre a pressão sanguínea e secreção de hormônios.

Qualidade de vida perdida

Avaliando os níveis de poluição sonora na Europa
Ocidental, a OMS quantificou a perda de anos de vida saudável em decorrência da
exposição ao barulho. O impacto das doenças foi calculado numa medida única,
que soma os anos de vida perdidos por mortalidade prematura e os anos vividos
sofrendo de incapacidade decorrente da má saúde. “Esses resultados
indicam que ao menos um milhão de anos de vida saudável são perdidos a cada ano
em decorrência do barulho ambiental causado pelo trânsito na Europa
Ocidental”, diz o documento.

Cerca de 40% da
população europeia está exposta a ruídos de trânsito que excedem 55 db(A), sendo
que 20% da população sofrem diariamente com uma exposição ainda mais intensa,
que chega a níveis de 65 dB(A). “A poluição sonora nas nossas cidades está
aumentando, arruinando as vidas de muitos cidadãos europeus. Mais do que um
incômodo, barulho excessivo é um risco de saúde, contribuindo para doenças
cardiovasculares, por exemplo. Precisamos agir contra as muitas fontes de
poluição ambiental – de veículos motorizados a discotecas e shows – para
proteger nossa saúde”, disse a dra. Zsuzsanna Jakab, diretora da OMS para
Europa em comunicado.

O escritório
regional da OMS não soube informar estimativas específicas para o Brasil, mas
ressaltou que as recomendações para limitar o nível de poluição sonora são
globais.

Obesidade e barulho

O pesquisador do Instituto Karolinska da Suécia, dr.
Andrei Pyko, estuda os efeitos da poluição sonora na saúde humana e seus
levantamentos serviram de base para as recomendações da OMS.

Ele constatou que há
uma relação entre exposição ao barulho do trânsito e a obesidade. “O barulho
do trânsito, por exemplo, pode influenciar funções cardiovasculares e
metabólicas por meio de distúrbios do sono e estresse crônico. O sono é um
importante moderador da liberação de hormônios, da regulação de açúcares e de
funções cardiovasculares. Distúrbios do sono podem afetar as funções
imunológicas, influenciar o controle central do apetite e o gasto de energia,
bem como aumentar os níveis do hormônio de estresse”, explicou.

“No nosso
estudo, vimos que o ruído do tráfego rodoviário foi significativamente
relacionado com a circunferência da cintura, com um aumento de 0,21 cm por 5 dB
(A). Isso significa que uma pessoa na média dos nossos dados tinha 0,21 cm de
circunferência da cintura maior em comparação com aqueles expostos 5dB (A) a
menos de ruído”, disse Pyko. “Ou se
compararmos as médias da circunferência da cintura entre aquelas pessoas
expostas a 45 dB, em contraste, as médias daqueles expostos a 65 dB (diferença
de 20 dB ou quatro vezes por 5 dB) esperaríamos uma diferença das médias de 4 *
0,21 = 0,84 cm”, exemplificou.

Então, os
brasileiros deveriam evitar ter o hábito de tocar música alta em espaços
públicos?

“Há amplas evidências de que altos níveis de
ruído causam danos auditivos e que intervenções para reduzir a exposição ao
ruído são eficazes na diminuição desse risco. Reduzir a exposição prejudicial
ao ruído de lazer não requer recursos intensivos, mas se concentra em mudanças
de comportamento que podem ser difíceis de implementar devido a fatores
culturais”, disse à BBC News Brasil Dorota Jarosińska, do centro europeu
para meio ambiente e saúde da OMS em Bonn, na Alemanha.


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