Parto Humanizado: porque esta opção está virando uma tendência no Brasil?

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  • Publicado em 23 de junho de 2019 às 13:09
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:37
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Mulheres vêm procurando partos com o mínimo de intervenções possíveis; obstetras não recomendam em casa

Os relatos são de dores intensas seguidas de infinitas tentativas de aliviá-las. Chuveiradas quentes, caminhadas, massagens com óleos, exercícios e posições inusitadas servem de alento para mulheres que optam por sentir na pele toda a experiência de dar à luz sem dia nem hora marcada, respeitando o tempo da natureza. Comum a todas, também, é o sentimento de que fizeram a escolha certa, sem nenhum arrependimento.

Na era que marca a epidemia das cesáreas, cada vez mais mulheres têm nadado contra a maré buscando viver cada momento da enxurrada de sensações que é trazer uma criança ao mundo. Embora não se tenha números oficiais, as experiências recentes de doulas, hospitais e enfermeiras obstétricas apontam para um grande crescimento, em especial nos últimos três anos, na procura por partos em que se possa viver a experiência do nascimento em toda a sua plenitude.

Um parto humanizado nada mais é do que trazer um filho ao mundo respeitando e assegurando todos os desejos da mãe, desde a escolha da posição e do local para dar à luz até não usar, sob hipótese alguma, analgésicos para aliviar a dor. Tudo sem pressa, respeitando o tempo da gestante e do bebê e realizado em lugares que vão desde uma piscina de plástico na sala de casa, devidamente adaptada, até o quarto de hospital – geralmente com assistência de uma doula. Aliás, a quantidade de doulas em ação no mercado é um dos indicativos do aumento da procura pelo parto humanizado.

– Aumentou o número de doulas porque a demanda cresceu. Quando a gente não tem disponibilidade, procura outras para indicar – afirma a doula Anna Cony, explicando que uma profissional só pode aceitar até cinco partos por mês e, quando esse limite é extrapolado, é preciso indicar outras profissionais.

Os partos em casa também tiveram uma curva ascendente, como relata a enfermeira obstétrica Cintia Senger, da Equipe Partería. Atuando na assistência domiciliar há quatro anos, ela contabiliza quase 40 partos em 2017 – lembrando que, assim como as doulas, as enfermeiras trabalham com um limite máximo de gestantes por mês. Por trás desse movimento em busca de uma experiência mais acolhedora, no conforto do lar, está o desejo de permanecer mais tempo com o recém-nascido no colo após o nascimento e também a garantia de acompanhar de perto seus primeiros momentos fora do útero.

Isso porque hoje, segundo Cintia, há dois cenários distintos: um é o universo do Sistema Único de Saúde, no qual há registros de partos violentos e cheios de intervenções. Outro é o da esfera privada, em que as gestantes, muitas vezes, são levadas a uma cesárea desnecessária.

– As gestantes com convênio nem sempre têm um profissional que apoie o parto humanizado – pondera a enfermeira.

Para atender essa demanda, hospitais têm investido no treinamento de equipes e em uma infraestrutura especial pronta para receber as mamães. Os profissionais são instruídos a intervir o mínimo possível e respeitar, sempre que não houver riscos, o plano de parto da mulher. Também é estimulado o uso de métodos alternativos para alívio da dor, como massagens, óleos e exercícios.

A infraestrutura também recebe atenção especial: em algumas instituições, as salas de pré-parto são adaptadas com espaldar (equipamento de barras comum nas academias, usado para exercícios e alongamentos), têm bolas, banquetas de parto e chuveiro privado para as duchas quentes, bastante procuradas para amenizar a dor. Com papel importante dentro desse tipo de assistência, a doula também é bem-vinda nas casas de saúde. No entanto, a diferença é o limite que cada instituição dá para a presença das profissionais na hora do parto: algumas permitem a participação integral, enquanto outras limitam à sala pré-parto.

A humanização também diz respeito à assistência dada às mulheres. Isso explica por que os partos humanizados não seguem regras pré-estabelecidas, com exceção daquelas que fazem parte do plano organizado pela gestante – desde que elas não coloquem em risco a vida da mãe ou do bebê. Embora o parto humanizado seja livre de regras, não deixa de seguir determinados propósitos. A doula e idealizadora do projeto Remãenescer, Andrea Gabech, explica que toda a assistência às mulheres nesse processo é sustentada por três grandes pilares: o protagonismo da mulher, a medicina baseada em evidências científicas e uma equipe inter e multidisciplinar. Na prática, isso quer dizer que mesmo uma cesárea pode ser humanizada.

– Existe uma divergência nessa questão, se cesárea pode ou não ser humanizada. É muito pessoal. Das minhas experiências, eu entendo que sim, tudo pode ser humanizado, melhor e com mais respeito. Se ela escolher cesárea, é humanização – diz Anna.

Assim como uma cesárea pode ser humanizada, também não há radicalismo. Desde que seja o desejo da mulher, pode-se fazer uso de analgesia e até mesmo mudar os planos em cima da hora. Afinal, cada parto é único e individual.

Parto humanizado na prática

Busque informações

É consenso: todas as mães que escolhem o parto humanizado dizem que o primeiro passo para tomar a decisão é buscar muitas informações sobre o tema. Também recorrente é a indicação do filme O Renascimento do Parto, do diretor Eduardo Chauvet, que, conforme as mães, pode mudar a visão que se tem dos nascimentos.

Encontre a doula

Na etapa seguinte, cresce a importância de contatar uma doula, que dá suporte emocional à gestante e à família antes, durante e após o parto.

– A palavra doula vem do grego e quer dizer “a mulher que serve”. É uma função muito antiga que está sendo resgatada hoje e ainda precisa ser difundida. Qualquer mulher com mais de 18 anos pode ser doula, e não precisa ter nenhuma formação técnica na área da saúde. É fundamental que seja um caminho vocacional, exige muita doação, pois o trabalho não é fácil, é cansativo, em qualquer horário, sem qualquer previsibilidade e rotina – destaca a doula Andrea Gabech.

Monte seu plano

Ao optar pelo parto humanizado, a tendência é procurar médicos obstetras que levantem essa bandeira. Há mulheres que chegam a trocar de médico por não compactuarem com suas ideias. A partir da definição da equipe, começa-se a traçar o plano de parto que inclui todos os desejos das mulheres – como quem vai cortar o cordão umbilical, quanto tempo o bebê ficará no colo – e dizem respeito tanto ao local do nascimento quanto à posição em que desejam parir. Se a opção for pelo parto domiciliar planejado, é fundamental contratar uma equipe de enfermeiras obstétricas. São elas que acompanharão a gestante semanalmente, desde a 36ª semana de gestação, e o parto. Essas profissionais respondem pela assistência ao bebê e à mulher em caso de urgência. Para isso, contam com aparato completo e planejamento minucioso:

– Sempre temos um plano de contingência. O plano A é o parto domiciliar; o B, remoção para o hospital sem urgência; e o C, remoção com urgência. Para tanto, no primeiro atendimento já traçamos um mapa que permite que o tempo máximo para chegar em um hospital seja de 30 minutos – descreve a enfermeira obstétrica Cintia Senger.

Quem opta pelo parto domiciliar não precisa de nenhuma ação prévia: a casa precisa apenas estar com a limpeza em dia. O custo desse serviço não é muito diferente do cobrado por um quarto privado em hospitais: gira em torno de R$ 6 mil. Já em hospitais, não há custo adicional por escolher o parto humanizado ou não. Em Porto Alegre, pelo menos três grandes hospitais apostam nesse tipo de assistência.

Os custos

• Doulas têm valores variáveis de acordo com o pacote que fecham com a gestante e a região em que atuam. Pode-se estimar um custo entre R$ 800 e R$ 1,2 mil para, no mínimo, três encontros antes do parto, assistência no parto e duas visitas depois do nascimento.

• Hospitais não cobram valor extra pela presença da assistência humanizada. Os valores giram em torno de R$ 5 mil e R$ 6,5 mil.

• Já os partos domiciliares, que incluem encontros semanais a partir da 36ª semana, assistência no parto – com o aparato de reanimação neonatal e material para caso de hemorragia da mãe – e três visitas após o nascimento, partem de R$ 6 mil.

Benefícios e riscos

Para o médico obstetra Claudio Mesquita Campello, do Hospital Divina Providência, a ideia da humanização do parto é entender a gestação e o nascimento como um evento fisiológico perfeito, no qual os profissionais da saúde só acompanham o processo.

– A equipe facilita justamente dando apoio contínuo e suporte para a gestante, oferecendo conforto físico e emocional.

Do ponto de vista materno, esse tipo de assistência estimula a socialização entre família e profissionais. Quanto às vantagens para o bebê, ele afirma que já foi comprovado que o clampeamento tardio do cordão umbilical (interrompimento da passagem de sangue), depois de pelo menos três minutos, diminui os riscos de anemia na infância. Mas Campello desencoraja os partos domiciliares:

– É muito arriscado. Podem ocorrer complicações, e os recursos só estariam disponíveis em um hospital. Um parto normal pode, a qualquer momento, evoluir para outra característica mais grave.

Alberto Trapani Jr., presidente da Comissão Nacional Especializada de Assistência ao Parto da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) reforça o alerta:

– Boa parte das complicações no parto ocorrem em gestantes sem fatores de risco importantes e com pré-natal normal.

Com base em dados de países desenvolvidos, como Inglaterra, Estados Unidos e Holanda, Trapani Jr. diz que o risco de sequelas neurológicas é quatro vezes maior nos partos domiciliares.

Na água

Dar à luz na água é uma possibilidade que divide opiniões. Na visão de doulas como Anna Cony, a água funciona como um anéstesico para as dores que a mãe sente – e também ajuda a transição do bebê, do útero para a vida aqui fora.

– Não é que a dor passe completamente, mas a água dá condições para que as dores passem melhor. O corpo relaxa, e só o útero contrai – explica. – Como o bebê está envolto pelo líquido amniótico, se ele nasce na água, o choque não é tão grande. É bom, as mulheres gostam. Mas há controvérsias, e (fazer um parto na água ou não) depende da doula que faz a assistência.

Poucos hospitais contam com banheiras para partos. Para as mães que fazem questão de ter o contato com a água, opções como um banho no chuveiro – primeiro, de casa, e depois da maternidade – ajudam no relaxamento. E, em alguns casos, a chegada do bebê pode acontecer ali mesmo:

– Há bebês que nascem no chuveiro do hospital. Se está tudo bem com ele e o médico que acompanha concorda, pode nascer ali.

Para Alberto Trapani Jr., presidente da Comissão Nacional Especializada de Assistência ao Parto da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a banheira não é aconselhável para o parto, de acordo com evidências científicas:

– Banheiras podem ser utilizadas para diminuir a dor apenas durante o trabalho de parto. No Brasil, a experiência maior é com o uso da água em forma de ducha morna ou quente. Já o nascimento dentro de banheiras é atualmente desaconselhável. Estudos publicados até agora não mostraram benefício materno ou fetal e existem relatos de graves complicações. Outras evidências alertam para um maior risco de lesões perineais, possivelmente pela dificuldade de o profissional assistente auxiliar na proteção do períneo ou diagnosticar algum problema.