O que a queda no número de espermatozoides diz sobre a saúde do homem?

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de setembro de 2018 às 13:45
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:59
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Médicos alertam que baixa contagem de espermatozoides está relacionada à infertilidade, diabetes e outros

Incontáveis escritores, de Jack
London a Richard Matheson, de Margaret Atwood a Stephen King, já deram sua
versão para o fim do mundo. Entre as causas mais prováveis, apontam, estão
guerra nuclear, engenharia genética e inteligência artificial. Para Hagai
Levine, a raça humana corre o risco, sim, de ser extinta, mas por outro motivo:
a infertilidade masculina.

Não, Levine não é autor de romances
pós-apocalípticos. Ele é epidemiologista da Universidade Hebraica de Jerusalém,
em Israel. Depois de revisar 185 estudos e artigos sobre fertilidade masculina,
com dados de 43 mil voluntários dos EUA, Europa, Austrália e Nova Zelândia, Levine
e sua equipe constataram: a concentração de espermatozoides caiu 52%, passando
de 99 milhões/ml em 1973 para 47,1 milhões/ml em 2011.

Para dar um tom ainda mais dramático
à sua descoberta, publicada no periódico científico Human Reproduction Update, Levine comparou o estágio atual ao
risco de colisão do Titanic. “Não sou capaz de prever o futuro, mas diria que
essa queda na contagem é apenas a ponta do iceberg”, alerta. “Quanto antes
estudar as causas e combatê-las, melhor”.

O professor do Departamento de
Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Anderson Martino-Andrade,
é um dos sete pesquisadores que integraram a equipe de Levine. Mais do que
servir de alerta para uma possível deterioração da saúde reprodutiva do homem,
Andrade acredita que o estudo acende o sinal vermelho para a piora no seu
estilo de vida. Em bom português: se o sêmen vai mal, a saúde do indivíduo, no
geral, também vai.

Faz sentido. O urologista britânico
Michael Eisenberg, da Escola de Medicina da Universidade de Stanford afirma
que  homens com problemas no sêmen tendem a viver oito anos menos. “A
qualidade do sêmen é um bom biomarcador de saúde”, explica Andrade. “Quanto
menor sua qualidade, maiores as chances de internação por diabetes, hipertensão
e doenças cardiovasculares”.

No Brasil, a situação também é
preocupante. Quem garante é a bióloga Anne Ropelle, da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua dissertação
de mestrado analisou 18,9 mil amostras recolhidas durante 27 anos no Centro de
Atenção Integral à Mulher (CAISM) e verificou queda nos três parâmetros que
avaliam a qualidade do sêmen: concentração, motilidade e morfologia.

De 86 milhões/ml em 1989, a
quantidade de espermatozoides, por exemplo, despencou para 48 milhões/ml em
2016. “Embora o número ainda esteja dentro do normal, a queda foi bem
acentuada”, constata. “Se continuar assim, as chances de uma gravidez
espontânea, daqui a alguns anos, serão ainda menores”.

Como salvar o Titanic

Nenhum dos dois estudos investigou as causas para a queda na quantidade (e na
qualidade) dos espermatozoides. Nem precisa. Algumas hipóteses são clássicas:
estresse, obesidade, tabagismo. Outras, no mínimo, inusitadas: poluição,
pesticidas, anabolizantes. A mais prevalente de todas é a varicocele,
caracterizada pela formação de varizes nos testículos. “Seja com tratamento
medicamentoso ou cirúrgico, é possível reverter ou melhorar a qualidade dos
espermatozoides”, tranquiliza João Pedro Junqueira Caetano, presidente da
Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). “O tipo de tratamento e o
índice de sucesso vão depender da causa do problema”. No caso da varicocele,
responsável por 40% dos casos, pode ser potencialmente reversível, desde que
diagnosticada o mais cedo possível, por cirurgia minimamente invasiva.

Para evitar uma epidemia de
infertilidade masculina ou, como diria Levine, o tão temido naufrágio do
Titanic, a Ciência faz o que pode. Pesquisadores alemães desenvolveram um
nanorrobô, algo em torno de 50 micrômetros de comprimento por 8 de diâmetro
(cada micrômetro corresponde a 0,001 milímetro!), para ajudar os
espermatozoides “preguiçosos” a “nadar” até os óvulos e fecundá-los. Já
cientistas chineses apostaram em células reprodutoras masculinas criadas em
laboratório, a partir de células-tronco embrionárias. Estapafúrdia ou não, a
ideia já deu origem a duas gerações de camundongos saudáveis.

Até a Cronobiologia, que estuda o
“relógio biológico” dos seres vivos, tem uma sugestão a dar: fazer sexo pela
manhã, antes das 7h30! “A melatonina, hormônio produzido durante o sono, induz
a formação de novos espermatozoides e protege os já existentes”, desvenda John
Araújo Fontenele, do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).

Os médicos podem divergir em vários
aspectos, mas, em um ponto, todos concordam: o estudo de Levine trouxe à tona a
certeza de que a infertilidade não é de responsabilidade só da mulher, como
pensa a maioria dos marmanjos. Nos consultórios, entregam, quando o
especialista toca no assunto, os homens logo olham feio para a parceira e põem
a culpa nela. Não sabem que, segundo estimativas, eles respondem por 40% dos
casos de infertilidade.

Só no Brasil, 200 mil casais têm
dificuldade para gerar filhos. “Ainda hoje, muitos homens confundem
infertilidade com masculinidade. Por essa razão, relutam até em fazer um
simples espermograma. É como se o resultado do exame pudesse colocar em xeque
sua virilidade”, afirma Matheus Roque, da Sociedade Brasileira de Reprodução
Assistida (SBRA), que aconselha seus pacientes a ir ao urologista, pelo menos
uma vez por ano, para avaliar sua saúde. Assim, salvam-se todos; não só
mulheres e crianças, mas homens também.


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