O drama silencioso dos homens que não têm espermatozoides

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 11 de setembro de 2018 às 14:21
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:00
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Cerca de 30% dos casos de infertilidade entre casais são provocados por fatores ligados ao homem

Para o homem, descobrir que é
infértil pode ser uma experiência arrasadora e solitária.

No Reino Unido, onde hoje a infertilidade masculina é a
razão mais comum para os casais buscarem fertilização in vitro, o britânico
Craig Franklin soube bem o significado disso ao ser informado, sem rodeios, de
que não tinha esperma.

Receber a notícia, lembra ele, significou se sentir
sozinho e fragilizado, com a masculinidade abalada. “O médico basicamente disse: ‘Você não
está produzindo espermatozoides e não poderá ter filhos”, conta ele, aos
39 anos.

Sem apoio

Os efeitos do diagnóstico o
atingiram com força e quase o levaram a romper o relacionamento com sua
parceira Katie. “Fiquei revoltado por um bom tempo, irresponsável com o
dinheiro”, disse ele. “Meu desempenho no trabalho piorou tanto que
perdi o emprego no final do ano passado”, acrescenta.

Katie, que testemunhou o drama
do companheiro, diz que vê-lo naquela situação foi de partir o coração.
“Eu vi um homem ser, basicamente, destruído. Ele não se sentia como um homem,
e isso é muito injusto.”

Dados da Sociedade Americana
de Medicina Reprodutiva, divulgados pela Sociedade Brasileira de Urologia,
apontam que um casal é considerado infértil se, após um ano de tentativas sem o
uso de nenhum método anticoncepcional, não consegue engravidar. “Estima-se
que o problema atinja aproximadamente 80 milhões de pessoas ao redor do mundo e
que em cerca de 30% dos casos a infertilidade seja causada apenas por fatores
masculinos, enquanto que em 20% as causas são combinadas (ou seja, seja causada
por fatores masculino e feminino).

A professora Sheena Lewis,
presidente da Sociedade Britânica de Andrologia – que visa melhorar os cuidados
de saúde reprodutiva dos homens – e uma das maiores especialistas em
fertilidade no Reino Unido, diz que a falta de foco na infertilidade masculina
dentro do sistema de saúde é um problema “urgente”. “Os homens
não estão sendo tratados adequadamente, não são diagnosticados e não estão
recebendo os devidos cuidados”, diz ela.

A qualidade do esperma
masculino no mundo ocidental está em declínio, mas pouco se sabe sobre como
melhorá-la – e, no Reino Unido, há poucos tratamentos disponíveis no serviço
público de saúde, o NHS.

Isso tem levado a uma situação “absurda”, diz
a professora, em que as mulheres rotineiramente precisam passar por
fertilização in vitro – mesmo que não haja nada de errado com sua própria
fertilidade. “A mulher atua, na verdade, como a terapia para o problema
(da deficiência de esperma) do homem “, diz ela. “Estamos oferecendo um
procedimento invasivo a uma pessoa que não precisa dele, com o objetivo de
tratar outra pessoa. Isso não acontece em nenhum outro ramo da medicina.”

Lewis acrescenta que a questão
também representa uma “enorme despesa para o sistema de saúde”, em um
momento em que a fertilização in vitro está sendo limitada em muitas partes do
país.

Dados no DNA

A varicocele é uma dilatação
anormal nas veias do testículo que causa não só dor e inchaço, mas também pode
reduzir a quantidade e também a qualidade de espermatozoides.

A doença afeta até 40% dos homens com problemas de
fertilidade. Nesse caso específico, depois do tratamento, a mulher pode engravidar
naturalmente.

Para Stephen Harbottle, especialista em pesquisas
clínicas que ajudou a desenvolver as diretrizes de fertilidade para o Instituto
Nacional de Saúde e Excelência Clínica do Reino Unido (NICE, da sigla em
inglês), ao passo que o tratamento da varicocele não funciona para todos os
homens, o NHS deve garantir que outras opções sejam exploradas antes que a
fertilização in vitro seja oferecida a um casal.

Isso inclui soluções simples, como suplementos
alimentares ou exames para verificar se há danos no DNA do esperma.

A razão pela qual isso não acontece atualmente, diz ele,
é que “os médicos não têm outras opções disponíveis além de encaminhar os
pacientes para fertilização in vitro”. 

Relógio biológico masculino

A professora Sheena Lewis diz que a falta de atenção à
fertilidade masculina também significa que os homens não são educados a
respeito de sua saúde reprodutiva e podem, de forma equivocada, tomá-la como
garantida. “Os homens têm um relógio biológico. E, conforme o tempo passa,
por causa de seu estilo de vida, há cada vez mais chances de ocorrerem mutações
em seus espermatozoides.

“Homens com mais de 45
anos são mais propensos a ter filhos que terão câncer na infância ou com
distúrbios psiquiátricos, como transtorno bipolar ou autismo”, diz ela,
acrescentando que acredita que esse também seja provavelmente o caso de homens
mais jovens com má qualidade de espermatozoides.


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