Mulheres produtoras de café representam SP em associação internacional

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 26 de novembro de 2018 às 13:49
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:11
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Com foco nos cafés especiais, produtoras querem aumentar representatividade na Alta Mogiana

Bruna Malta, de 36 anos,
nasceu numa fazenda de café em Franca. Influenciada desde a infância pelos
avós, não acreditava que teria outro destino. Além de produzir e vender cafés
especiais, é uma das coordenadoras de um grupo só de mulheres que, há menos de
um mês, oficializou a entrada na Aliança Internacional de Mulheres do Café
(IWCA), atuante em 22 países.

A associação foi criada em 2003 por mulheres da
indústria de café dos Estados Unidos e produtoras da Nicarágua. Dez anos
depois, chegou ao Brasil, mas, desde então, o estado de São Paulo era o único
sem representantes. Isso mudou na Semana Internacional do Café, realizada de 07
a 09 de novembro em Belo Horizonte (MG), onde Bruna e mais 161 mulheres da
região da Alta Mogiana Paulista e Mineira brindaram a conquista. A bebida não
poderia ser outra: cafés especiais.

A Alta Mogiana Paulista é formada por 24 municípios,
sendo Franca a principal referência. Segundo a Cooperativa dos Cafeicultores e
Agropecuaristas da região (Cocapec), deve encerrar 2018 com 2,9 milhões de
sacas de café colhidas, em uma área de 70 mil hectares, o que corresponde a
quase 5% de um total de 59,9 milhões previstos para todo o país pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), em seu levantamento mais recente, divulgado
em setembro.

Cerca de 90% dos cafés produzidos nestes municípios são
considerados finos – o que é favorecido pelas condições climáticas – e 20% já
se enquadram num patamar acima, o de especiais. Um mercado que testemunha o
interesse crescente das mulheres, como Bruna.

Ela não só produz café, em
nove hectares, na fazenda herdada do avô pela mãe dela. Formada em jornalismo,
chegou a trabalhar na área – o departamento de comunicação de uma cooperativa
de café –, mas, há sete anos, saiu desse emprego para se dedicar a uma
cafeteria, que montou com o marido, José Tadeu.

O empreendimento tem três unidades, sendo duas em Franca.
Vende 32 tipos de cafés especiais, incluindo o de marca própria e muitos
produzidos por outras mulheres. Ela explica que a fundação do grupo de
produtoras, que recebeu o nome de “Cerejas do Café”, tem, como objetivo,
consolidar a presença e ampliar a representatividade feminina no universo
agrícola.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a participação delas vem crescendo em todo o território
nacional e já chega a 30% na administração de propriedades rurais e empresas ligadas
ao campo. “O movimento começou na Alta Mogiana Mineira e nos incentivou a criar
o grupo também aqui no estado de São Paulo. Com isso, foi possível somar
forças, já que trabalhamos em conjunto”, afirma Bruna.

Exatamente
a metade das 162 mulheres que integram as “Cerejas” está do lado paulista. Elas
se juntaram às mineiras em 8 de março, Dia Internacional das Mulheres. Desde
essa data, organizam reuniões mensais para discutir diversos aspectos, como
mecanização da lavoura, cursos de capacitação e cafés especiais.

Pioneirismo

Uma dos cafés vendidos por
Bruna é o produzido na fazenda de Fernanda Maciel, de 59 anos. Ganhadora, em
2005, de prêmios de melhor café do estado de São Paulo e do Brasil, ela foi uma
das primeiras mulheres da Alta Mogiana Paulista a se tornar administradora de
uma propriedade rural.

Essa história começou em 1981, quando a família, que
morava em São Paulo, onde o pai trabalhava, decidiu retornar a Franca, cidade
de origem dele. Cinco anos depois, ele dividiu uma fazenda centenária para os filhos.
Fernanda lembra que a parte que herdou não tinha nem energia elétrica. “Eu e
meu marido decidimos começar do zero e, aos poucos, fomos ajeitando as coisas”.

Em 1990, o marido morreu num acidente de carro, no
caminho de Ribeirão Preto para Franca. Com dois filhos pequenos, uma de nove e
outro de sete, percebeu que não podia esmorecer. 

Contratou funcionários,
construiu o terreiro e plantou as primeiras lavouras de café, produto que dava
continuidade às tradições familiares – o bisavô materno havia sido corretor de
café na Europa e o avô materno, produtor. “Com
o tempo, fui me envolvendo ainda mais. Sempre estava presente nas cooperativas,
lutando pela qualidade do café. Vi muitas mulheres tomarem conta das
propriedades e, hoje, me sinto muito feliz em ver tantas delas participando
ativamente. Elas perderam o medo de enfrentar barreiras.”

Fernanda confessa que, no
início, os funcionários olhavam torto. Com paciência, foi vencendo as
desconfianças. E investindo. O filho, Felipe, se aliou aos negócios. Fez cursos
de torrador e barista, o que permitiu agregar valor ao produto. O café é
oferecido já torrado, moído, embalado e ganhou marca própria.

Para isso, a produção de 76 hectares, que rende de 2 a 3
mil sacas de 60 kg por ano, passa, segundo ela, por um rigoroso processo de
qualidade, que visa a um mercado cada vez mais exigente. “Hoje, os consumidores
querem ver a cara do produtor, saber quem está por trás do café que ele toma.” 

Crescimento

Ela tem razão. A Associação Brasileira da Indústria de Café
(ABIC) aponta que a procura por cafés especiais deve crescer 19% neste ano, em
comparação com 2017. E que a tendência é continuar nesse ritmo.

Agregar
valor à produção, no entanto, ainda é um desafio. Fernanda, por exemplo, já
mandou café torrado para a Inglaterra. Mas os embarques de cafés
industrializados representam, apenas, 10% de toda a carga de café que o Brasil
manda para fora – o restante é de café verde (in natura). No ano passado, por
exemplo, das quase 31 milhões de sacas exportadas, segundo o Conselho dos
Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), pouco mais de 3 milhões foram de café
solúvel ou torrado e moído.

Niwaldo
Antônio Rodrigues, de 61 anos, que produz café há mais de 40 em Pedregulho (SP)
e é um dos maiores da Alta Mogiana, com uma área de 450 hectares, prefere, por
exemplo, comercializar o café in natura, por causa dos custos que o café
industrializado representa.

Ele, que produz cafés
especiais, afirma que a preocupação com a qualidade é fundamental. Desde a
nutrição das plantas, até a separação, seleção e secagem dos grãos. A produção
é entregue na Cocapec, que faz o papel de corretora para colocar o produto no
mercado.

Para
Rodrigues, os agricultores que não se atentarem para as exigências dos
consumidores deverão perder mercado. “A busca por cafés está muito semelhante
ao que acontece com os vinhos. As pessoas estão atrás dos melhores sabores, de
uma bebida limpa e fina.”

Quando
chega à cooperativa, o café é encaminhado para um laboratório, que começou a
operar neste ano e que é voltado especificamente aos cafés especiais. Ali,
profissionais especializados classificam a bebida a partir de itens como cor da
torra, aroma, uniformidade, doçura, acidez, entre outros. A escala vai até 100.
Para ser considerado especial, um café deve atingir pelo menos 80 pontos, mas o
ideal, de acordo com o gerente comercial de cafés, Jandir da Cruz Castro Filho,
é que chegue, pelo menos, a 85.

A cooperativa, fundada em
1984, tem 2,6 mil cafeicultores associados. E, segundo Castro Filho, deverá
ter, a cada ano, mais gente direcionada ao mercado de cafés especiais, cuja
saca pode ser vendida até R$ 700, em média, contra R$ 450 de um café fino.

Nesse
cenário de cuidados extremos com a qualidade, sabores e aromas delicados, o
aumento da participação das mulheres é, segundo a produtora Fernanda Maciel, a
“cereja” que faltava para marcar uma virada no comportamento da população
brasileira: o de que beber café deixou de ser só uma cena corriqueira na rotina
da manhã.


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