Mães abrem negócio em busca de recolocação profissional e flexibilidade

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 12 de maio de 2018 às 17:55
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:44
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Mais de 75% mulheres que abrem empresas após terem filhos para voltar ao mercado e cuidar dos filhos

Ao retornar da
licença-maternidade, no início de 2015, Karen Abe teve uma surpresa: sua mesa
não existia mais. “Fui dispensada e fiquei completamente perdida, depressiva
mesmo. Eu era muito workaholic e foi como se tivessem me dito: você não serve
mais”, conta. Ela coordenava a área de mídia da Shop2gether e chegou a chefiar
um time de 12 pessoas, mas foi perdendo funções e subordinados ao longo da
espera pela filha Júlia. “Diziam que era para que eu tivesse uma gravidez mais
calma.”

Sem emprego e inquieta em casa, Karen, hoje com 36 anos,
decidiu comprar uma máquina para costurar babadores, almofadas e outros itens
que a filha precisava. A produção acabou virando negócio e surgiu então a marca
Caramelito, vendida hoje na vitrine virtual Elo7 e em cinco lojas colaborativas
de São Paulo.

Assim
como Karen, mais da metade (55%) das empreendedoras brasileiras são mães e,
destas, 75% começaram a empreitada após a chegada dos filhos, segundo pesquisa
divulgada no fim do ano passado pela Rede Mulher Empreendedora (RME), que ouviu
800 mulheres pelo país.

Também
como ela, quase metade (48%) das mães perde o emprego em até um ano após tirar
a licença-maternidade, conforme outra pesquisa de 2017, feita pela Fundação
Getulio Vargas (FGV) com 247 mil mulheres. “A realidade no mercado de trabalho
brasileiro é dura para as mães. A gente não vive num país onde se pode sair
para trabalhar e deixar o filho na creche direitinho, onde a licença é maior e
pai e mãe podem escolher quem que é que vai tirar. Isso impulsiona a mulher que
precisa ter renda a empreender”, analisa Heloisa Mendes, diretora técnica do
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Dados do próprio Sebrae
mostram que a fatia das mulheres que abrem um negócio por necessidade é maior
do que a dos homens: 48% contra 37%. Os números são de um estudo feito em 2016
com 2 mil entrevistados.

Segundo Mendes, também é crescente o número de mulheres
que veem na maternidade uma oportunidade de começar uma atividade nova. Ela
cita o exemplo de uma empreendedora que criou uma espécie de lençol absorvente
depois de observar como as fraldas dos bebês vazam à noite. “São pessoas
que acabam montando startups para dar vazão a uma ideia que não teriam se não
fossem mães”, diz. 

Flexibilidade

Alice Salvo Sosnowski, 41, cofundadora da RME. Alice é dona
de uma agência de comunicação digital e sua filha, Luana, tem 10 anos. Para
Alice, flexibilidade é uma das palavras fundamentais na vida da mulher que
precisa empreender, diante da realidade do mercado de trabalho.

Ainda
que não sejam demitidas, muitas mães acabam deixando o mercado de trabalho por
conta da dificuldade em conciliar a rotina corporativa com o cuidado dos
filhos, um papel que em muitas famílias ainda é concentrado na figura da
mulher.

Pesquisa
da Catho divulgada neste mês aponta que o percentual de mães que saem do
emprego para se dedicar aos filhos é quatro vezes maior do que o de pais: 30%
contra 7%. O levantamento ouviu 5 mil pessoas.

Luana defende que as empresas
ofereçam a possibilidade de trabalhar de casa e horários mais flexíveis para as
mães, mas também tenham benefícios para os pais. “Conceder uma licença
estendida e dar a possibilidade de o homem se ausentar para levar o filho na
creche ou no médico, por exemplo, ajuda a construir uma paternidade ativa”,
diz.

A
pesquisa da Catho mostra ainda que as mulheres demoraram mais para se recolocar
no mercado. Entre os homens que deixaram o trabalho para cuidar dos filhos, 33%
voltaram a trabalhar em menos de 6 meses, contra 8% das mães. Por outro lado,
52% delas demoraram entre 1 e 3 anos para conseguir uma nova vaga, contra 20%
deles. 

Salário menor, desemprego maior

As distorções de gênero no mercado de trabalho são muitas.
Outro levantamento da Catho, divulgado em março, mostrou que as mulheres ganham
menos do que homens em todos os cargos e áreas de atuação. Na crise, elas
também sofreram mais: enquanto o índice de desemprego fechou 2017 em 10,5% para
os homens, para as mulheres ele foi de 13,4% , mostram dados do IBGE.

A própria presença feminina
diminui conforme a posição na hierarquia empresarial aumenta: entre os
encarregados, elas são 61%; entre os gerentes, 42% e entre os presidentes, 26%,
mostra pesquisa da Catho. “A desigualdade de gênero é um fato. A mulher chega a
um cargo de coordenação, mas depois fica mais complicado para crescer na
carreira. Isso pode remeter ao momento da maternidade, quando ela se ausenta, e
no retorno tem dificuldade para galgar cargos mais altos”, diz Luana. 

Conciliando rotinas

Júlia, a filha de Karen Abe, está com 3,5 anos. Elas ficam
juntas pela manhã, depois a pequena vai para a escola enquanto a mãe trabalha.
À noite depois que ela dorme, Karen continua trabalhando. “São horários
totalmente diferentes, mas que funcionam para mim. Trabalho muito, mas não
tenho vontade de voltar para o mercado porque não conseguiria essa
flexibilidade e essa qualidade de vida”, diz a empreendedora, que agora tem
além da Caramelito a marca de cosméticos naturais e roupas de algodão orgânico
La Botikinha.

A
visão é a mesma de Priscila Alves da Silva, 34. Ela começou a fazer doces
decorados para vender no início de 2013, quando descobriu que esperava seu
terceiro filho. Enfrentava dificuldades financeiras desde quando deixou o
emprego, um ano antes, ao voltar da licença-maternidade após o nascimento do
primeiro filho. “No meu primeiro dia de trabalho descobri que estava grávida de
novo e não tive condições de continuar no trabalho”, conta.

Ela
é mãe de Samuel, Miguel e Gabriel, de 7, 6 e 5 anos, respectivamente, e vira
quase todas as madrugadas de sexta para sábado trabalhando para dar conta de
todas as encomendas de doces que recebe para o fim de semana.


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