Legislação sobre agrotóxicos pode mudar trazendo riscos à saúde

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 2 de julho de 2018 às 03:00
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:50
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Entenda o que essa história, que ganhou a mídia na última semana, tem a ver com a saúde de toda a sua família

Na última semana, uma comissão
especial da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6299/02 também
chamado de “PL do veneno”, que muda a fiscalização e controle dos agrotóxicos
usados na agricultura do Brasil.

O projeto, em tramitação desde
2002, altera pontos importantes da lei que regula o uso dos fertilizantes e
pesticidas, e é visto pelos especialistas como um retrocesso que pode ameaçar a
saúde dos brasileiros. “O Brasil é hoje campeão no consumo de agrotóxicos no
mundo e a fiscalização que existe já não funciona como deveria”, comenta
Aristides de Faria Júnior, ginecologista e homotoxicologista do Cejam
(Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim), em São Paulo. “Se pensa em
melhorar a produtividade, mas não nas consequências”, completa.

De fato, o país lidera o ranking da
utilização destes produtos, com um consumo que chega a 5 litros por pessoa ao
ano.

Para virar lei, o PL precisa ainda
ser votado pelo plenário da Câmara, mas as críticas a ele vêm de instituições
importantes como o Instituto Nacional do Câncer, Organização Mundial de Saúde e
Fiocruz e apontam para um afrouxamento das regras.

De acordo com o documento, o uso
de novos agrotóxicos poderia ser feito só com a autorização do Ministério da
Agricultura. Hoje é preciso passar pelo Ministério da Saúde e do Meio Ambiente
e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que se posiciona
contra a PL.

Além disso, somente produtos de
risco “inaceitável” para a saúde não poderão mais ser utilizados. O ponto dos
especialistas é que, mesmo sem a nova lei, diversos dos agrotóxicos, inclusive
utilizados hoje, tem efeitos agudos se aplicados da maneira incorreta, como
intoxicações pontuais no campo, e crônicos, como o risco de câncer a longo
prazo. E uma possível flexibilização dessa regulamentação poderia intensificar
esses possíveis riscos.

Para o bebê

Em regiões agrícolas, o uso
indiscriminado de agrotóxicos e a contaminação do meio ambiente provocada pelo
manuseio incorreto desses produtos são estudados por sua ligação com o aumento
de malformações congênitas, como deformações nos ossos e músculos e nos órgãos
reprodutores dos pequenos. A suspeita é antiga, e reforçada por um levantamento
feito pela Fiocruz em zonas rurais do Paraná. “A placenta é um filtro
maravilhoso, mas mesmo assim algumas toxinas ingeridas pela mãe, como a dos
agrotóxicos, podem passar para o bebê pela corrente sanguínea”, comenta Júnior.
Além das alterações físicas, alguns compostos, como o clorpirifós, utilizado
hoje no Brasil e nos Estados Unidos, são atualmente investigados por seus potenciais danos na formação do
cérebro dos bebês e até ao desenvolvimento de autismo.

Em Tomé, comunidade do interior do
Ceará onde os pesticidas são aplicados por avião — prática proibida na União
Europeia desde 2009 — a puberdade precoce, quando o corpo começa a amadurecer
sexualmente antes do tempo, agora é relativamente comum. Como apurou a ONG
Repórter Brasil, na pequena localidade há meninas de um ano já apresentando
sinais de crescimento das mamas.

Para os pais

O efeito pode ser danoso antes
mesmo da gestação acontecer. Um estudo do ano passado da Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que mulheres que consumiam mais frutas e
legumes contaminados por agrotóxicos tinham menores taxa reprodutivas.

E outro trabalho, conduzido pela
mesma instituição, encontrou a associação entre agroquímicos ingeridos por meio
da comida pelos homens e uma redução da qualidade do sêmen. Vale destacar que
até agora as evidências dizem mais sobre os efeitos do contato direto, que
ocorre nas plantações. Ainda são necessários mais estudos para entender o
impacto da dieta rica em agroquímicos.

Mas as suspeitas crescem, sem
dúvidas, e mobilizam as entidades científicas. Em sessão da comissão especial da
câmara que trabalha na direção oposta, em uma política nacional de redução do
uso de agrotóxicos, Márcia Scarpa, pesquisadora do Instituto Nacional do
Câncer, destacou que esta categoria está ligada ao câncer, com destaque para os
tumores de mama, próstata e cérebro, além do linfoma não Hodgkin.

O que pode ser feito a respeito

Há um limite de tolerância do
organismo para processar as toxinas do corpo. Por isso, enquanto a legislação
não muda, o que dá para fazer é fortalecer o organismo. “A má nutrição, por
exemplo, piora o preparo da mãe para isso”, comenta Júnior, que destaca que no
Brasil grande parte das gestações é não planejada. Assim, não é possível
garantir, por exemplo, que os níveis de ácido fólico, que protege contra os
efeitos dos pesticidas, estejam adequados.

Outras medidas podem ser tomadas
na alimentação diária, como preferir alimentos orgânicos, que por definição não
podem ser cultivados com químicos. Como nem sempre eles estão acessíveis, lavar
em água corrente ajuda a retirar o excesso dos agrotóxicos que está no exterior
dos vegetais, processo que pode ser realizado ainda com a ajuda de escovinhas e
um pouco de detergente. O bicarbonato de sódio, segundo uma pesquisa publicada no
Journal of Agricultural and Food Chemistry, é eficaz para remover alguns
pesticidas comuns nas frutas.


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