Esquizofrenia e autismo podem afetar crianças vítimas do zika adultas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 7 de junho de 2018 às 20:01
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:47
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Pesquisa brasileira mostrou que distúrbios são uma possibilidade mesmo para quem não sofreu microcefalia

Crianças afetadas pelo zika no
Brasil devem ter no máximo três anos hoje — considerando que a maioria das
anomalias começaram a ser identificadas em 2015. Dada à urgência do caso, foram
muitos os estudos que focaram na primeira fase da infecção… mas o que vai
acontecer com essas crianças quando adultas? E com aquelas sem más-formações
tão evidentes? Essas são perguntas que a ciência tenta responder.

Um estudo publicado nesta quinta-feira, 07 de junho, no
Science Translational Medicine é uma das tentativas de responder a essas
perguntas.

A pesquisa foi feita só por
cientistas brasileiros (Universidade Federal do Rio de Janeiro e de São Paulo)
e tentou prever, de forma inédita em cobaias, os efeitos a longo prazo do zika.

De modo geral, a pesquisa identificou que a infecção de
fetos pelo vírus da zika pode trazer consequências neurológicas, distúrbios de
comportamento (esquizofrenia, autismo), de memória e consequências motoras (em
crianças com microcefalia ou sem).

Cientistas também testaram que
o infliximabe, já usado para o tratamento da artrite reumatoide (doença que
causa dores e deformações), pode ser útil na fase aguda da infecção por zika,
diminuindo o número de convulsões.

Outro
ponto frisado pelos pesquisadores é que, em média, só 10% das crianças
infectadas pelo zika vão desenvolver microcefalia: o restante não. A
microcefalia, no entanto, não é a única consequência do zika e os pesquisadores
estão verificando agora que há uma série de crianças que podem ter
consequências do vírus no futuro (como as de comportamento).

O estudo foi capaz de prever o
que acontecerá com crianças por testes em cobaias: isso é possível porque o
ciclo de vida da cobaia é mais curto: com isso, cientistas podem simular o que
potencialmente acontecerá com fetos infectados no Brasil em 2015, por exemplo.

Outra parceira do estudo, a
neurocientista Júlia Clarke, pesquisadora da Faculdade de Farmácia da UFRJ,
destaca que os camundongos foram acompanhados por 100 dias: basicamente, o
ciclo de vida do animal. O vírus da zika também foi injetado logo após o
nascimento, o que corresponde ao terceiro trimestre de gestação em humanos.

A
cientista explica que o vírus usado no camundongo foi isolado de um paciente de
Recife em 2016. “Isso é importante porque outros estudos utilizaram cepas
africanas e asiáticas”, diz Clarke.

Outro
achado da pesquisa mostra que o vírus da zika fica presente no cérebro das
cobaias, mesmo na fase adulta. “Há a impressão de que você tem uma
infecção ativa após o nascimento, que depois é resolvida, e vimos que não, o
vírus permaneceu no cérebro desses animais”, explica a especialista,
indicando a possibilidade de um tratamento para neutralizar o zika, mesmo na
fase adulta.

Outros resultados da pesquisa
incluem:

– Cientistas descobriram que
crianças afetadas pelo zika podem desenvolver quadro de epilepsia que diminuiu
muito na fase adulta;

– Algumas convulsões podem
voltar a depender do estímulo: traumas na cabeça ou acidentes, por exemplo;

– Pesquisadores observaram
grande possibilidade de alterações comportamentais: há risco para o
desenvolvimento de transtornos de ansiedade e condições como autismo e
esquizofrenia;

– Há problemas motores:
crianças podem ter dificuldade de segurar uma caneta, por exemplo, mesmo na
fase adulta;

– Há a possibilidade do vírus
zika estar presente no cérebro de algumas crianças quando elas atingirem a fase
adulta, sem grande reprodução.

A neurocientista Júlia Clarke
explica que há várias maneiras de testar se uma condição deflagra distúrbios de
sociabilidade em animais. Uma das maneiras é colocar a cobaia afetada pelo
vírus em um ambiente com duas portinhas: em uma delas, há um outro animal; na
outra, não há ninguém. “O animal com algum sintoma de sociabilidade vai
entrar nas duas portas como se não tivesse ninguém. Já a cobaia sem essa
condição, vai cheirar, vai ter sinais de medo; enfim, vai agir como se alguém
estivesse lá” – Júlia Clarke.

Segundo a neurocientistas,
outros estudos vêm demonstrando a possibilidade de infecções ter um papel no
desenvolvimento de distúrbios de comportamento. Um deles foi publicado na
revista Science em 2016.

O artigo
cita que, depois de 1964, durante uma pandemia de rubéola, o índice de autismo
e de esquizofrenia, que contabilizavam menos de 1% dos casos, aumentaram para
13% e 20%, respectivamente.

Ainda, o estudo científico
cita outros que fazem a mesma associação entre infecções e diversas desordens
psiquiátricas: há aumento de casos de distúrbios mentais após pandemias de
gripes, poliomielite, sarampo, cachumba, episódios de gripes e varíola.

Medicamento diminui convulsões

Além de identificar as
consequências do vírus, cientistas também testaram que um medicamento já
aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pode ajudar no
tratamento dos efeitos do zika. “Observamos que a terapia diminuiu muito as
convulsões das cobaias na fase mais aguda”, explica Júlia Clarke.

Cientistas
utilizaram o infliximabe, uma droga já usada para o tratamento da artrite
reumatoide (condição que provoca dores nas articulações e deformidades) e
outras condições. O medicamento age inibindo a ação da TNF alfa, uma proteína
que fica aumentada após a infecção por zika.

O
próximo passo da pesquisa é verificar se o tratamento poderá ser usado na fase
adulta, como uma tentativa de diminuir os efeitos da inflamação no cérebro.
Primeiro, os novos testes serão feitos em cobaias. Não há previsão para testes
em humanos por enquanto.

Os cientistas também planejam
detalhar melhor desordens de comportamento a partir de novos testes em cobaias.


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