É preciso ter cautela no uso de aspirina contra doenças cardíacas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 21:37
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:21
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Substância reduz risco de eventos cardiovasculares em 11%, mas aumenta o de sangramento em 47%

Todos os
anos, mais de 55 milhões de pessoas morrem em decorrência de enfermidades
cardiovasculares, a principal causa de óbitos no planeta, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS).


décadas, a medicina lança mão de um método preventivo que, além de barato, é
fácil de aderir: um ou mais comprimidos de aspirina por dia. Embora bem
estabelecida para evitar recorrência em pacientes que já apresentam problemas
cardiovasculares, alguns estudos indicam que o ácido acetilsalicílico não é
eficaz para proteger indivíduos sem histórico de doenças cardíacas. Outros
sustentam que tomar o medicamento diariamente pode aumentar o risco de
sangramento naqueles que fazem uso apenas preventivo da droga.

Agora,
pesquisadores do Kings College London e do Kings College Hospital, na
Inglaterra, fizeram uma revisão de 13 estudos clínicos com 164 mil
participantes que analisavam o potencial preventivo da aspirina.

Os
resultados sugerem que, enquanto o uso do comprimido está associado a uma
redução de 11% no risco de eventos cardiovasculares (morte, infarto não letal e
derrame não letal), ele também relaciona a um aumento de 47% de casos de
sangramento.

Os autores
destacam que, enquanto se trata de uma avaliação observacional, ou seja, não se
investigou causa e efeito, a prescrição do medicamento como método de prevenção
tem de ser bem discutida entre médicos e pacientes.

“Não
existem evidências suficientes para recomendar rotineiramente a aspirina a fim
de prevenir ataques cardíacos, mortes e acidentes vasculares em pessoas sem
doenças cardiovasculares”, observa o principal autor do estudo, Sean Zhen,
pesquisador do Kings’s College London. “É incerto o que deve ser feito no caso
de paciente em alto risco de doenças cardiovasculares e diabetes. Esse estudo
mostra que, enquanto os eventos cardiovasculares podem ser reduzidos nessas
pessoas, os benefícios têm a contrapartida do risco maior de hemorragias. O uso
da aspirina nesses casos tem de ser discutido, com médicos informando que os
benefícios para o coração são pequenos, enquanto há um risco real de
sangramento severo”, observa.

A
indicação da aspirina como preventivo de eventos cardiovasculares em pessoas
sem doenças cardiológicas foi sugerida pela primeira vez em 1989, no
Physicians’ Health Study, uma pesquisa que envolveu 22 mil participantes
acompanhados por 60 meses.

Seis
estudos seguintes com esse mesmo perfil indicaram uma redução de 12% no risco
de um primeiro evento e de 22% como prevenção secundária (evitar um novo
derrame/infarto em quem já havia passado por isso).

Porém, ao
mesmo tempo, esses trabalhos indicaram um aumento no risco de hemorragias
gastrointestinais. Isso acontece porque o ácido acetilsalicílico impede que uma
enzima chamada COX-1 produza uma substância que mantém a integridade do
revestimento estomacal.

Ao tomar o
remédio em doses altas — necessárias para que ele ajude a afinar o sangue e
impeça a formação de coágulos —, a mucosa da parede do estômago afina e faz com
que o suco gástrico irrite o órgão. “Devido aos eventos de sangramento
causados principalmente entre pacientes de baixo risco cardiovascular incluídos
na maioria dos estudos sobre prevenção primária, não há um consenso sobre essa
indicação”, explica Michael Graziano, da Divisão de Envelhecimento do Brigham e
Women’s Hospital da Faculdade de Medicina de Harvard, em um editorial publicado
na revista Jama, na qual o estudo do Kings College London foi divulgado.

Por isso,
nem todas as sociedades médicas recomendam a aspirina para esses fins. A
Sociedade Europeia de Cardiologia, por exemplo, não faz essa indicação,
diferentemente da Força de Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA. No Brasil, a
Sociedade de Cardiologia faz a recomendação de baixas doses do medicamento
(menos de 100g/ao dia) quando o paciente apresenta condições que podem predispor
a doenças cardiovasculares, como doença arterial obstrutiva.

Terceira idade

Idosos
devem ser mais cautelosos ainda, afirma Peter Rothwell, pesquisador da
Universidade de Oxford. Em 2017, ele publicou um estudo na revista The Lancet
indicando que, em pessoas acima de 75 anos, o uso diário da aspirina em longo
prazo pode causar sangramento letal e deveria ser evitado mesmo como prevenção
secundária. “Sabíamos, há algum tempo, que a aspirina aumenta o risco de
sangramento em idosos. Mas no nosso estudo tivemos uma compreensão melhor do
tamanho desse risco e da severidade das hemorragias”, afirma.

A pesquisa
foi feita com 3.166 pacientes que já haviam sofrido derrame ou infarto e
receberam prescrição de aspirina. Metade tinha mais de 75 anos no início do
estudo.

Ao longo
de 10 anos, 314 pessoas deram entrada em hospitais com sangramento. Entre
aqueles com menos de 65, a taxa anual de internações foi de 1,5% ao ano. Esse
índice aumentou para 3,5% no caso das pessoas acima de 75, e chegou a 5% entre
aqueles com mais de 85. O risco de morrer em decorrência da hemorragia variou
de 3% (75 a 84) até 25% (acima de 85 anos).


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