Entregador de aplicativo tem vínculo trabalhista? Veja como a Justiça define

  • Bernardo Teixeira
  • Publicado em 2 de agosto de 2020 às 11:35
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 21:03
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Tem crescido o número de processos na Justiça: em 2018, foram 79. Em 2019, 363. Em 2020, já são 381.

Entregadores de aplicativos fizeram protestos em julho por melhores condições de trabalho

​Os altos índices de desemprego, a digitalização de negócios e o número cada vez maior de consumidores que buscam serviços de delivery levaram, nos últimos anos, muitas pessoas a se inscreverem em aplicativos, como Uber Eats, Rappi e iFood, para fazerem entregas. 

Segundo a repórter Ana Clara Veloso, do jornal “Extra”, esses trabalhadores são, geralmente, pagos por hora de trabalho, rota ou tarefa, tendo que fazer uma contribuição previdenciária própria para se formalizarem.

Mas há um debate recorrente, em todo o mundo, sobre se há vínculo empregatício entre esses profissionais e as empresas.

Segundo a Data Lawyer Insights, que analisa dados jurídicos, foram distribuídos no país 958 processos sobre esse assunto, desde 2015. Estão pendentes ainda 518 deles, mas 172 foram julgados improcedentes, e 7, procedentes.

Cristóvão Macedo Soares, sócio do Bosisio Advogados, explica que o baixo índice de sucesso dos trabalhadores se dá porque as empresas demonstram, em geral, que o trabalhador tem autonomia para aceitar ou não fazer entregas que lhe são oferecidas.

“Costumam demonstrar também que o prestador é livre para prestar serviços a outros aplicativos, inclusive concorrentes. Sob tais premissas, agregadas ao fato de que não há a necessidade de contato entre o trabalhador e o seu tomador de serviços, a argumentação jurídica das plataformas fica centrada na inexistência de uma efetiva direção da prestação pessoal de serviço, um pressuposto básico estabelecido na lei para identificar a figura do empregador”, afirmou Soares.

Camila Rosadas, sócia do escritório Sergio Galvão Advogados, crítica às relações de trabalho estabelecidas, no entanto, avalia o cenário.

“Estamos vivendo um dos nossos períodos mais sombrios em relação aos direitos dos trabalhadores. Em 2017, entrou em vigor a lei que autorizou a terceirização de forma ampla, prevendo expressamente a inexistência de vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador dos serviços. Em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese jurídica de que é lícita a terceirização de atividade-fim das empresas”,  exemplificou a advogada.

Ainda assim, tem crescido o número de processos na Justiça: em 2018, foram 79. Em 2019, 363. Em 2020, já são 381. Para Yara Girasole, do Baptista Luz advogados, isso pode ser resultado de trabalhadores motivados pelo crescimento de casos julgados parcialmente procedentes. Atualmente, são 83.

“Os trabalhadores alegam cumprirem os requisitos de vínculo, de acordo com a CLT: a pessoalidade, ou seja, no contrato com o João, só ele presta serviços; a habitualidade, pois o serviço é constante, não eventual; a onerosidade, que é a dependência econômica ao pagamento da remuneração; e a subordinação. Já há muita doutrina que defende que essas pessoas trabalham com vínculos de emprego”, contou Yara.

Quando a sentença é parcialmente procedente, em geral, diz Yara, o juiz reconhece o vínculo empregatício e concede os direitos básicos, que são 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e férias. Mas é normal não deferir direitos que dependem de condição, como horas extras e danos morais.

A advogada Camila Rosadas acrescenta que a relação trabalhista pode ficar mais evidente nos casos de “quarteirização”, como chama. Mas ainda que as empresas interpostas sejam responsabilizadas, grandes aplicativos podem não ser.

“Já estamos em uma nova fase da precarização do trabalho: a quarteirização. Em dias de chuva, por exemplo, podia haver uma queda no número de entregadores e um aumento no número de pedidos. Então, grandes aplicativos passaram a contratar pequenas empresas de entrega, para garantir a cobertura de áreas. No iFood, por exemplo, são os chamados operadores logísticos, que contratam entregadores”, contou.

Alguns trabalhadores contam, por exemplo, terem horários definidos para atuar.

Procurados, Rappi e Uber Eats não enviaram posicionamento sobre a discussão. O iFood afirmou que o entregador é um profissional independente e busca flexibilidade e diferentes formas de compor a renda. A empresa ainda argumentou que 70% dos profissionais disseram, em pesquisa do Ibope, preferir atuar dessa forma.

Quanto aos operadores logísticos, o iFood respondeu que são empresas capacitadas e que têm contrato com a plataforma. 

A empresa reforçou que não tem ingerência nas frotas dos operadores logísticos, responsáveis por determinar as regras de suas empresas e efetuar os pagamentos de seus entregadores. Mas afirmou que tem um Código de Conduta e Ética a ser seguido por parceiros, e que violações podem levar ao rompimento do contrato.


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