Entenda o alerta sobre pólio mesmo com 30 anos sem registros da doença

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de julho de 2018 às 14:56
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:51
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Franca, Cristais e Ribeirão Corrente estão sob estado de alerta pela baixa cobertura vacinal

O Ministério da Saúde emitiu alerta
na última terça-feira, 03 de julho, para a baixa vacinação contra a paralisia
infantil: 312 cidades não vacinaram nem metade das crianças menores de 1 ano em
2017.

Embora não haja casos atuais
de poliomielite, a preocupação do ministério se justifica por ao menos três
motivos:

– Circulação do vírus em 23 países nos últimos três anos;

– O surgimento de um caso da doença na Venezuela no mês de junho;

– O efeito devastador da doença no país antes de sua eliminação,
graças à vacina.

Franca e mais dois municípios próximos, Cristais Paulista e Ribeirão
Corrente, não atingiram nem 50% da cobertura vacinal das crianças menores de 1
ano contra a poliomielite no ano passado. Guariba e Jaboticabal também estão
sob estado de alerta do Ministério da Saúde.

Desde 1990, não há registros de casos
da doença no Brasil.

Os índices são preocupantes por conta
do risco da volta da doença. A meta do Ministério da Saúde é alcançar 95% das
crianças em todas as cidades do país.

Segundo a Secretaria de Estado de Saúde,
em 2015, a cobertura de vacinação contra a polio no país foi de 95%; em 2016,
caiu para 83% e, em 2017, foi para 69,5%.

No ano passado, 312 municípios, sendo
44 no Estado de São Paulo, cinco deles na região de Ribeirão Preto (SP),
vacinaram menos de 50% das crianças na faixa etária até um ano de idade.

O índice mais baixo foi registrado em
Ribeirão Corrente, que atingiu 16,22% da meta. Franca apresentou o índice de
24,10% de imunização e Cristais Paulista 20,79%.

Como é oferecida a vacina contra a poliomielite
no Brasil

– A vacina é oferecida o ano inteiro
em todos os postos de saúde;

– Uma criança deve tomar ao menos
três doses da vacina para estar imunizada: 1ª dose aos 2 meses de vida; 2ª dose
aos 4 meses e a 3ª dose aos 6 meses;

– Há inda o reforço da vacina,
aplicado aos 15 meses de vida da criança – nesse reforço são dadas duas
gotinhas;

– O Ministério da Saúde realiza
campanhas nacionais anualmente, geralmente no mês de agosto, porém a vacina
pode ser aplicada a qualquer momento nos postos de saúde.

Volta do sarampo e cultura da
vacinação

O governo está tentando
aumentar as taxas de cobertura vacinais para que a poliomielite não tenha o
mesmo destino do sarampo, que voltou a circular após a eliminação. Uma
combinação de casos importados da Venezuela e de brasileiros não-imunizados
está contribuindo para um surto no Norte do Brasil.

Na
esteira da circulação de vírus já eliminados em outros países, o Brasil tem
registrado baixa cobertura vacinal em todas as crianças menores de um ano. Em 2016, seis vacinas do calendário infantil
ficaram abaixo da meta. Em 2017, todas as vacinas do calendário infantil estão
abaixo da meta de 95% (taxa preconizada para o controle de doenças
infecciosas).

Para a
historiadora da Fiocruz, Dilene Nascimento, a poliomielite está atrelada
fortemente à cultura de vacinação no Brasil e ao seu desenvolvimento. A
erradicação da doença — e suas temidas sequelas — podem ter abalado a
organização da vacinação por aqui.

Outro ponto é a maior
disseminação de medos e mitos sobre as vacinas. “Embora isso não seja um
fato novo na história da Brasil, a disseminação dessas informações hoje é muito
mais intensa, juntamente com menos divulgação e campanhas”, afirma Dilene.

Poliomelite

A poliomielite é causada por
um vírus e historiadores estimam que os primeiros registros tenham surgido no
Antigo Egito, durante a 18ª dinastia (1580-1350 AC). A principal via de
transmissão é oral-fecal e, por isso, más condições sanitárias também estão associadas
a um maior número de infectados.

O vírus
da pólio vive no intestino. A maior parte das infecções são subclínicas e não
apresentam sintomas. O quadro básico de primeiros sintomas é similar ao da
gripe com febre e dor de garganta, mas há náuseas, vômitos, constipação e dores
abdominais.

Só 1%
dos infectados vão desenvolver a forma paralítica da doença, que pode causar
sequelas permanentes e insuficiência respiratórias.

Segundo
a Fiocruz, a paralisia ataca os membros inferiores muitas vezes de forma
assimétrica, com apenas um dos membros sendo afetado. Ela começa a ser
percebida com perda de força nos membros atingidos e dos reflexos.

Poliomelite no Brasil e a
superação da doença

No Brasil, os primeiros casos
foram identificados em artigo publicado por Fernandes Figueira em 1911, informa
Dilene Nascimento, historiadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). “A
partir da década de 1930, começaram a surgir epidemias importantes em vários
estados do Brasil”.

A vacina
chegou na década de 1950 — e a ideia de uma campanha nacional só surgiu em 1971,
com os dias nacionais de vacinação, explica Dilene. “As campanhas de
vacinação antes disso eram esparsas, com cada estado com sua experiência”.

A
historiadora cita que, na época, a assistência às crianças era precária e não
havia a ideia de vacinação disponível em postos de saúde. O Brasil, no entanto,
desenvolveu alguns centros de referência.

Na época, mais de um tipo de
vacina era aplicado no mundo. O Brasil chegou a ter dois tipos de vacina até
que optou pela vacina oral, desenvolvida pelo pesquisador Albert Sabin, e que
tinha a recomendação da Organização Mundial de Saúde e da Associação Médica
Americana.

Foi
apenas a partir de 1971 que uma campanha nacional foi colocada em ação. Até
este ano, as campanhas de vacinação contra a pólio sofriam com problemas de
distribuição e eram com frequência descontinuadas.

A
historiadora explica que foram realizados dias nacionais de vacinação, com a
indicação de vacinar todas as crianças menores de 5 anos de idade, a partir dos
anos 1980.

O controle da poliomielite,
indica a historiadora, ajudou a estruturar todo o plano de imunizações do país.
“A gente tinha a experiência da varíola, mas a pólio trouxe vacinas em
postos de saúde e campanhas nacionais”, explica Dilene.

Em 1973, na esteira da campanha contra a poliomelite,
foi lançado o Programa Nacional de Imunização (PNI), que incorporou o controle
da poliomielite e introduziu a multivacinação, incluindo principalmente a
vacina do sarampo como estratégia de campanhas.

A
especialista espera agora que o mesmo plano de imunização que a pólio ajudou a
estruturar impeça o seu retorno.


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