É possível comer massa sem culpa e sem aumentar o ponteiro da balança

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 2 de julho de 2018 às 14:33
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:50
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Alimento tem origem das mais antigas e se popularizou através dos italianos, ganhando destaque pelo mundo

Símbolo dos
carboidratos, a macarronada, em seus mais diversos estilos e molhos, vem
despertando pavor de um monte de gente preocupada com a forma física. Dá até
impressão de que as massas são uma nova receita na história da humanidade… E um
prato cheio para o mundo ficar obeso.

Mas façamos justiça: o alimento tem origem das mais
antigas e não há registro de que tenha engordado as populações que o abraçaram
em sua cozinha. E não foram poucas, viu? Se há divergências em relação ao berço
da massa, não sobram dúvidas de que ela virou um sucesso em vários países.
Prova disso é que esse tipo de prato costuma ser visto como porto seguro em viagens
internacionais, quando deparamos com cardápios exóticos.

Há quem diga que os louros de sua popularização
devem ir para o navegador veneziano Marco Polo (1254-1324), que teria levado a
receita à Itália após suas andanças na China, lá por 1271. Outros relatos
apontam que o macarrão tem mesmo é DNA árabe, mas foi na Sicília, no sul da
Bota, que ele se consagrou.

Para a Organização
Internacional da Pasta, a teoria mais forte remonta à civilização etrusca, que
viveu em solo italiano muito antes – as descrições rondam o século 8 a.C. Esse
povo aparentemente já moía diversos cereais e grãos e, aí, os misturava à água.
Depois, o preparo era cozido.

Com todo esse histórico, não causa espanto a afeição
dos europeus, especialmente dos italianos, pelas massas. Ora, elas inclusive
integram, em porções modestas, a dieta mediterrânea, reconhecida estudo após
estudo como uma das mais saudáveis do mundo. Logo, embora macarrão e companhia
ofertem muito carboidrato, o suposto inimigo da dieta, não há razão para pânico
ou cortes radicais.

Francesa com descendência italiana, a nutricionista
Sophie Deram, doutora pela Universidade de São Paulo, afirma que é possível,
sim, comer massa além dos finais de semana, como ela mesma faz. E grandes
pesquisas fazem coro à expert.

Pesquisas a favor do macarrão

O estudo mais novo,
pasme, não vem da Itália. Ele é do St. Michaels’s Hospital, no Canadá. Os
cientistas fizeram o que no meio chamam de uma meta-análise. Traduzindo: eles
revisaram uma porção de pesquisas de peso sobre o assunto. “Todo trabalho desse
tipo tem uma relevância bastante importante”, comenta a nutricionista Maristela
Strufaldi, da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).

Na investigação canadense, foram contempladas 32
pesquisas, envolvendo dados de quase 2 500 pessoas. Em comum, elas priorizavam
a massa em vez de outras fontes de carboidratos (arroz, batata, pão…). Mas
isso dentro de uma dieta de baixo índice glicêmico, ou seja, que não deixa o
açúcar disparar no sangue – situação que leva a uma enxurrada de eventos
indesejáveis no organismo. Em outras palavras, essas pessoas seguiam hábitos bacanas
à mesa.

Os autores
perceberam, então, que as massas não contribuíram para o ganho de quilos extras
nem o acúmulo de gordura no corpo. Surpreendentemente, identificaram até uma
ligeira associação com a perda de peso. “Isso traz à tona a questão de que
consumir macarrão dentro de uma dieta saudável não necessariamente atrapalha o
emagrecimento”, avalia a nutricionista Clarissa Fujiwara, da Associação Brasileira
para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Outra análise graúda que reforça essa conclusão foi
conduzida no Neuromed – Instituto Neurológico Mediterrâneo Pozzilli – claro que
os italianos não podiam ficar de fora, né? Nela, os estudiosos apuraram peso,
altura e circunferência da cintura e do quadril de nada menos que 23 366
pessoas.

Os dados finais mostraram, então, um resultado
semelhante ao da revisão canadense: comer massa não fez o ponteiro da balança
saltar. Pelo contrário. Incluída dentro das necessidades calóricas de cada
indivíduo, a receita favoreceu uma composição corporal saudável. Além disso,
tirar proveito das massas foi associado à ingestão de mais alimentos
bem-vindos, como tomate, azeite, cebola e alho.

Carboidrato não é inimigo da saúde

Repare que, em ambas
as pesquisas, as massas faziam parte de um contexto alimentar balanceado. Algo
que, vamos combinar, não é a coisa mais comum nos últimos tempos. “O padrão
dietético da modernidade é muito baseado em itens processados e
ultraprocessados, cheios não só de carboidratos mas também de gorduras e
aditivos. Sem falar na epidemia de sedentarismo”, contextualiza Maristela. Essa
conjunção de elementos – e não só a ingestão isolada de carboidratos – é que
põe a cintura em risco.

Mas é inegável que o nutriente preponderante nas
massas anda com a reputação mais abalada do que outros ingredientes. Para a
nutricionista e mestre em ciências Mariana Del Bosco, que atua em São Paulo,
isso começou na década de 1970, quando se interpretou que o carboidrato teria
papel-chave no ganho de peso por ser convertido rapidamente em glicose.

Entenda: nessa situação, produzimos mais insulina, o
hormônio que libera a entrada do açúcar nas células com a finalidade de gerar
energia. Só que, fora do compasso, a insulina também tem a fama de incitar o
acúmulo de gordura.

Contudo, se
consumido em proporções adequadas, o carboidrato não causa esse furdunço todo.
Fora que ninguém encara um prato de macarrão puro, sem molho algum. E quando
agregamos outros nutrientes no prato, como a gordura do pesto ou a proteína da
carne do bolonhesa, naturalmente a glicose proveniente da massa será liberada
de forma mais lenta. “Com isso, evitamos os picos de insulina”, explica
Maristela.

Confusão desfeita, contraindicado mesmo é cortar o
carboidrato de forma brutal. “É como tirar a gasolina do corpo”, compara
Sophie. Para ter ideia, recomenda-se que suas fontes representem de 50 a 60%
das nossas necessidades calóricas diárias. “Agora, é fato que a população em
geral está extrapolando nesse nutriente. Lá atrás, quando as gorduras entraram
na mira, as pessoas acabaram migrando para o carboidrato”, ressalta a
especialista.

Ao consultar um nutricionista, é compreensível,
então, que ele limite mais aquilo que surge em excesso no dia a dia. Logo,
massas, arroz, pão e batata sobressaem. “Daí, as pessoas têm a sensação de que
só os carboidratos engordam. Mas é a redução calórica total que leva à perda de
peso”, afirma o nutricionista Marcus Vinicius Lucio dos Santos, professor do
Centro Universitário São Camilo, na capital paulista.

Soa contraditório
falar em equilíbrio ao descobrirmos que na pesquisa canadense os voluntários
comiam, em média, 3,3 porções de massa por semana. Mas veja: cada porção era
equivalente a meia xícara de chá de macarrão cozido. “Será que é essa a quantidade
que as pessoas imaginam ao montar o prato do domingo?”, provoca Mariana.
Segundo a nutricionista, um grande deslize cometido por aqui é considerar o
espaguete (ou penne, fusilli…) como prato único, o que eventualmente termina em
repetições e exagero.

“Se pensarmos em uma dieta mediterrânea típica, a
refeição principal é composta por uma ampla gama de vegetais e um prato de
proteína e carboidrato, que pode ser a massa”, descreve Mariana. Então, para
não exceder no macarrão (priorizando somente um nutriente), o conselho é não se
esquecer da salada, que fornece um monte de vitaminas e minerais, e também de
uma fonte proteica magra – carne, frango ou peixe.

É óbvio que ninguém precisa se martirizar quando
bater a vontade de comer somente macarrão. “Se for de vez em quando, não tem
problema”, tranquiliza Sophie. Uma boa pedida para aprimorar a receita é ir
além dos molhos branco e vermelho.

“Dá para apostar em
um alho e óleo com escarola e um pouco de parmesão. Fica uma delícia”, sugere
José Barattino, chef-executivo do Eataly, shopping gastronômico de São Paulo. E
inúmeros outros vegetais combinam com o tal alho e óleo. Vai do gosto do
freguês. Se preferir uma massa recheada, o chef destaca uma maneira clássica
italiana de degustá-la: só na manteiga, com um tiquinho de sal.

Para Cláudio Zanão, presidente-executivo da
Associação Brasileira de Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães
& Bolos Industrializados (Abimapi), um fator que impede o salto no consumo
de massas por aqui é justamente nossa resistência em inovar. “Nem eu aguento
comer espaguete à bolonhesa todo dia”, brinca. Ele não cita a categoria à toa:
temos à disposição 60 tipos diferentes de macarrão, mas o espaguete é, de
longe, o mais amado pelo brasileiro. Portanto, entre formatos e variedades de
molhos, temos muito a experimentar.

E sem paranoia. Ora, tem coisa mais prática do que
cozinhar uma massa? Bastam 15 minutos e ela está pronta. Isso faz da receita
uma mão na roda para aquela hora em que sempre ouvimos ser proibido comer
carboidrato: o jantar. “Isso já é tratado como mito. Estudos mostram que
consumir o nutriente à noite não afeta o peso”, avisa a nutricionista Marcela
Tardioli, da Abimapi. Mas é bom evitar abusos – independentemente do prato –
para não dificultar a digestão.

Marcus Vinicius lembra ainda que nesse horário a
resistência à insulina tende a ser maior: “Por isso, especialmente os
diabéticos devem moderar”. Falando neles… “Esses pacientes não precisam excluir
as massas da rotina”, declara Maristela. De novo, a palavra de ordem é bom
senso. E jamais se esquecer de agregar à massa fontes de fibras, gorduras
benéficas e proteínas de qualidade.

A única variedade que faz os experts torcerem o
nariz é a massa instantânea, de apelo entre os pequenos. “A quantidade de sódio
e de óleo nesses produtos é equivalente a mais de um dia de necessidade de um
adulto. Para criança, é muito pior”, aponta Virgínia Weffort, presidente do
Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

No aperto, até dá para melhorar seu perfil com um
molho caseiro. Mas, se puder, opte pela massa tradicional. Até porque esse é um
vasto universo – e livros, programas e sites de receitas, assim como tradições
familiares, são um passaporte para explorá-lo.


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