Contato com germes pode prevenir leucemia em crianças, diz estudo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 22 de maio de 2018 às 16:11
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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A leucemia linfoblástica ou linfoide aguda afeta cerca de 300 mil crianças por ano em todo o mundo

É comum na vida moderna as crianças
serem mantidas “isoladas” de qualquer tipo de contato com germes –
mas isso pode não ser tão bom para elas quanto se pensa.

Segundo uma pesquisa recentemente
divulgada no Reino Unido, essa vida “livre de germes e micróbios”
pode acabar sendo a causa de um dos tipos de câncer mais comuns na infância.

A leucemia linfoblástica (ou
linfoide) aguda afeta cerca de 300 mil crianças por ano no mundo todo, segundo
a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, que faz parte da
Organização Mundial da Saúde (OMS) e coordena pesquisas sobre causas de câncer.

De acordo com Mel Greaves, do
renomado Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres, o sistema imunológico
pode se tornar canceroso se não tiver contato com uma quantidade razoável de
micróbios no início da vida.

Sua conclusão está baseada em
evidências de 30 anos de pesquisa e indica que talvez seja possível prevenir a
ocorrência da leucemia linfoblástica aguda expondo crianças a algumas
bactérias. 

Combinação de eventos

A leucemia infantil é mais comum em sociedades mais
desenvolvidas e ricas, o que sugere uma relação entre a doença e um estilo
moderno de vida, mais estruturado.

Estudos anteriores sugeriram que elementos presentes
na vida moderna, como fios a alta tensão, ondas eletromagnéticas e produtos químicos,
poderiam estar ligados à ocorrência desse tipo de câncer.

Mas todas elas foram possibilidades descartadas por
esse estudo divulgado na publicação científica Nature Reviews Cancer.

O líder da pesquisa, Mel Greaves, que
contou com a colaboração de outros pesquisadores ao redor do mundo, afirma que
há três estágios para essa doença.

– O primeiro é uma mutação genética –
aparentemente impossível de ser contida – que ocorre dentro do útero da mãe;

– Depois disso, a falta de exposição
a micróbios no primeiro ano de vida acaba não ensinando ao sistema imunológico
como lidar corretamente com algumas ameaças; isso “prepara o terreno”
para que uma infecção surgida durante a infância cause um mau funcionamento do
sistema imunológico e permita o surgimento da leucemia.

Essa teoria não é resultado de apenas
um estudo, mas de um grande quebra-cabeça com inúmeras evidências que indicaram
a causa da doença. “A pesquisa sugere fortemente que a leucemia
linfoblástica aguda tem uma causa biológica clara e é desencadeada por uma
variedade de infecções em crianças predispostas cujos sistemas imunológicos não
foram adequadamente preparados para elas”, afirmou Greaves.

As evidências que ajudaram os
pesquisadores a chegar a essa conclusão incluíram:

– Um surto de gripe suína em Milão
que levou sete crianças a ficarem com leucemia;

– Estudos mostrando que crianças que
frequentavam creches ou tinham irmãos mais velhos (e consequentemente estavam
mais expostas a bactérias) apresentavam taxas menores de leucemia;

– A amamentação, que
leva boas bactérias ao intestino da criança, protege contra a leucemia;

– Taxas de leucemia entre crianças que nasceram de
parto normal, e não por cesárias (a cirurgia é um processo que transfere menos
micróbios ao bebê);

– Animais criados completamente livres de micróbios
desenvolveram leucemia quando expostos a uma infecção;

Longe de querer culpar os pais pelo excesso de zelo
higiênico, o estudo queria mostrar que há um preço a ser pago pelo progresso na
sociedade e na medicina.

É complicado querer contato com bactérias benéficas,
não se trata de simplesmente “abraçar” a sujeira. “A implicação
mais importante disso é que a maioria dos casos de leucemia na infância podem
ser prevenidos”, diz Greaves.

Na visão dele, se as crianças receberem uma espécie
de “coquetel de bactérias” – como é um iogurte, por exemplo -, isso
poderia ajudá-las a treinar o sistema imune.

Essa ideia ainda precisa ser confirmada por mais
pesquisas, segundo os autores do estudo.

Mas enquanto isso, Greaves alerta aos pais para
serem “menos exigentes com relação a infecções comuns ou triviais e que
estimulem o contato social com outras crianças, inclusive as mais velhas”.

Para Alasdair Rankin, diretor de pesquisa da
instituição beneficente do Reino Unido Bloodwise, porém, é importante ter
cuidado para não alarmar os pais com esse estudo. “Nós pedimos que os pais
não se assustem com este estudo. Embora o desenvolvimento de um sistema
imunológico forte no início da vida possa reduzir ainda mais o risco, não há
nada que possa ser feito atualmente para impedir por completo o desenvolvimento
da leucemia infantil”, afirmou.

Micróbios bandidos?

Esse estudo faz parte de uma enorme mudança que está
ocorrendo na medicina.

Até hoje, tratamos os micróbios como
“bandidos”. Apenas recentemente passamos a reconhecer seu papel
importante para a nossa saúde e bem-estar e isso está revolucionando a
compreensão de inúmeras doenças – desde simples alergias até o mal de
Parkinson, passando por depressão e, agora, leucemia. “A leucemia infantil
é rara e atualmente ainda não se sabe se há algo que possa ser feito para
preveni-la. Queremos garantir aos pais de uma criança que tem ou teve leucemia
que não há nada que saibamos que poderíamos ter feito antes para evitar essa
doença”, afirmou Charles Swanton, chefe do Instituto de Pesquisa do Câncer
em Londres.

A leucemia é um
câncer que surge na medula óssea, onde são formadas as células sanguíneas. A
doença provoca um acúmulo de células anormais e dificulta a produção de
plaquetas e glóbulos brancos e vermelhos.

Segundo o Instituto Oncoguia, o principal tratamento
para crianças com leucemia linfoblástica aguda é a quimioterapia. “Quando
a leucemia é diagnosticada, geralmente há cerca de 100 bilhões de células
leucêmicas no corpo”, diz o site da ONG brasileira. “Destruir 99,9%
dessas células, durante o tratamento de indução de 1 mês é suficiente para
alcançar uma remissão, mas ainda deixa cerca de 100 milhões de células, que
também devem ser destruídas. Um esquema de tratamento de consolidação intensivo
de 1 a 2 meses e cerca de 2 anos de manutenção com quimioterapia ajuda a
destruir as células cancerígenas remanescentes.”


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