Consequências do aquecimento global devem ser ainda piores em 2020

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  • Publicado em 22 de janeiro de 2020 às 20:18
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:17
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2019 foi considerado o segundo mais quente da história desde 1880; fenômenos vão se intensificar

Produtividade de um país diminui enquanto a sua temperatura aumenta

Dois mil e dezenove acabou colecionando recordes negativos para o planeta. Na semana passada, um estudo independente da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) demonstrou que aquele foi o segundo ano mais quente da história desde 1880, quando começaram os registros modernos de temperatura. 

A mesma pesquisa indicou que essa é uma tendência crescente, iniciada em 1960 e acentuada no último quinquênio, sem data para acabar. 

O artigo da Nasa e outros trabalhos publicados nas primeiras semanas deste ano indicam que, se nada for feito para reverter o padrão, 2020 deverá ser ainda pior.

De acordo com Gavin Schimdt, cientista do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa, ao contrário do que os negacionistas das mudanças climáticas defendem, o aumento de temperatura não está associado a fenômenos climáticos naturais e esporádicos.

“A década que acabou de terminar é claramente a mais quente já registrada. Todas as décadas desde os anos 1960 foram mais quentes do que a anterior.” No ano passado, os termômetros marcaram 0,88ºC acima que a média de 1951 a 1980.

“Em 2015, passamos para um território 1ºC mais quente (comparado ao século anterior). É improvável que voltemos atrás”, aponta Schimdt. 

“Isso mostra que o que está acontecendo é persistente, não um golpe de sorte devido a algum fenômeno climático: sabemos que as tendências de longo prazo estão sendo impulsionadas pelos níveis crescentes de gases de efeito estufa na atmosfera.”

Para o estudo, a Nasa usou dados de mais de 20 mil estações meteorológicas e informações produzidas pelos polos de pesquisa da Antártica, além das medições feitas por navios e boias das temperaturas da superfície oceânica. 

Os registros marinhos, aliás, são uma das principais ferramentas para avaliar as mudanças climáticas globais, afirma John Abraham, professor de engenharia mecânica na Universidade de St. Thomas e coautor de um estudo publicado, há poucos dias, na revista Advances in Atmospheric Sciences. 

As notícias trazidas pelas ondas não são boas. “O aquecimento global é real e está piorando. E essa é apenas a ponta do iceberg do que está por vir”, diz o cientista.

A análise mostrou que todos os oceanos do mundo estiveram mais quentes em 2019 do que em qualquer outro momento da história humana registrada, especialmente entre a superfície e uma profundidade de 2 mil metros. 

O estudo também concluiu que os últimos 10 anos tiveram as temperaturas oceânicas mais altas, sendo o recorde atingido entre 2014-2019. Isso significa que elas não só estão aumentando, mas que o fenômeno está acelerado.

Os pesquisadores compararam os registros de 1987 a 2019 ao período de 1955 a 1986. 

Eles descobriram que, nas últimas seis décadas, o aquecimento oceânico foi aproximadamente 450% maior que nos anos anteriores, o que reflete, segundo os cientistas, o aumento significativo na taxa das mudanças climáticas globais.

“É fundamental entender a rapidez com que as coisas estão mudando”, afirma Abraham. “A chave para responder a essa pergunta está nos oceanos — é aí que a grande maioria do calor acaba. Se você quer entender o aquecimento global, precisa medir o aquecimento do oceano.” 

As consequências, aponta, são o clima mais extremo, o aumento do nível do mar e as ameaças aos animais marinhos, entre outras.

Hiroshima

De acordo com o estudo, a temperatura do oceano em 2019 foi cerca de 0,075ºC acima da média de 1981-2010.

Para atingir essa temperatura, o oceano teria absorvido 228 sextilhões Joules de calor. “Para facilitar a compreensão, fiz um cálculo. A bomba atômica de Hiroshima explodiu com uma energia de cerca de 63 quintilhões Joules.

A quantidade de calor que colocamos nos oceanos do mundo nos últimos 25 anos é igual a 3,6 bilhões de explosões de bombas atômicas em Hiroshima”, explicou, em nota, Lijing Cheng, principal autor do artigo e professor do Centro Internacional de Ciências Climáticas e Ambientais do Instituto de Física Atmosférica (IAP) da Academia Chinesa de Ciências (CAS).

“Esse aquecimento medido nos oceanos é irrefutável e é mais uma prova do aquecimento global. Não há alternativas razoáveis, além das emissões humanas de gases de efeito estufa, para explicar esse aquecimento.”

Segundo os pesquisadores, é possível trabalhar para reverter os efeitos das mudanças climáticas, mas o oceano levará mais tempo para responder do que os ambientes atmosférico e terrestre. 

Desde 1970, mais de 90% do calor do aquecimento global foi para o mar, enquanto menos de 4% aqueceu a atmosfera e a terra firme. 

“Mesmo com essa pequena fração afetando a atmosfera e a terra, o aquecimento global levou a um aumento de incêndios catastróficos na Amazônia, na Califórnia e na Austrália em 2019, e estamos vendo isso continuar em 2020”, aponta Cheng.

“O preço que pagamos é a redução do oxigênio dissolvido no oceano, a vida marinha prejudicada, o aumento das tempestades e a redução da pesca e das economias relacionadas ao oceano.”

Incêndios

Diante do incêndio florestal australiano que consumiu 100 mil quilômetros quadrados, resultando na morte de 29 pessoas e um bilhão de animais até agora, pesquisadores da Universidade de East Anglia (UEA), do Met Office Hadley Center, da Universidade de Exeter e do Imperial College de Londres realizaram uma revisão de 57 artigos para verificar a associação da severidade do fenômeno e as mudanças climáticas.

Todos os estudos mostraram ligações entre o aumento da temperatura e o crescimento da frequência ou da gravidade dos incêndios.

“Os 57 artigos analisados mostram claramente que o aquecimento induzido por humanos já levou a um aumento global na frequência e na severidade dos extremos climáticos, aumentando os riscos de incêndio”, diz Matthew Jones, pesquisador do Tyndall Center da UEA e principal autor da revisão. 

“Isso foi observado em muitas regiões, incluindo a Amazônia, a Austrália, a Sibéria, o oeste dos Estados Unidos, o Canadá, o sul da Europa e a Escandinávia.”

Para um dos coautores, Richard Betts, chefe de pesquisa de impactos climáticos do Met Office Hadley Center e da Universidade de Exeter, porém, a tendência de agravamento poderá ser revertida, caso as metas do Acordo de Paris, assinado em 2015 na capital francesa, sejam cumpridas. 

“A temporada de incêndios ocorre naturalmente, mas está se tornando mais severa e generalizada devido às mudanças climáticas. Limitar o aquecimento global a um nível bem abaixo de 2ºC (como prevê o acordo) ajudaria a evitar novos aumentos nesse risco.”

“O que está acontecendo é persistente, não um golpe de sorte devido a algum fenômeno climático: sabemos que as tendências de longo prazo estão sendo impulsionadas pelos níveis crescentes de gases de efeito estufa na atmosfera.”

Gavin Schimdt, cientista do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa

*Correio Braziliense


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