Cientistas ingleses encontram nova forma de combater o vírus da gripe

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 13 de agosto de 2018 às 21:03
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:56
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Droga evita que o micro-organismo use uma proteína humana que facilita sua dispersão pelo corpo

Pela dificuldade de combater os agentes causadores da gripe — há
centenas de variantes dos vírus —, os tratamentos quase sempre se destinam ao
extermínio ou ao alívio dos sintomas da infecção, como nariz escorrendo, febre
e dor de garganta.

Pesquisadores ingleses trabalham em outra linha de ataque. Eles
não têm como alvo os patógenos. Focam em moléculas presentes no corpo humano
que são usadas por esses micro-organismos para facilitar a infecção. Detalhada
na revista Nature Chemistry, a
abordagem surtiu o efeito esperado em testes laboratoriais e, segundo os
cientistas, poderá ser usada na criação de medicamentos e na prevenção de cepas
de vírus mais resistentes.

Roberto Solari, pesquisador do Imperial College London e um dos autores do
estudo, conta que, no início, a busca era por uma droga para tratar outra
doença. “Um colega de instituição, o químico Ed Tate, trabalhava em enzima, com
interesse particular em fabricar uma droga para a malária. Estudos de outros
autores sugeriram que essa enzima também era importante para o poliovírus. Como
o vírus do resfriado está relacionado à poliomielite, pensamos que seria
interessante avaliar se essa molécula bloquearia o vírus do resfriado”, detalha.

A molécula criada por Solari e colegas é uma combinação de dois
compostos encontrados em uma grande biblioteca laboratorial e recebeu o nome de
IMP-1088. Ela tem como alvo a proteína humana N-myristoyltransferase (NMT).
Segundo os cientistas, os vírus “sequestram” as NMTs para construir uma casca,
também chamada de capsídeo, e proteger o seu genoma da ação de células de
defesa. Nos testes laboratoriais com células humanas, a molécula surtiu o
efeito esperado e foi 100 vezes mais potente do que outros compostos testados.


Houve tentativas anteriores de criar drogas com a mesma estratégia: agir em
células humanas e não diretamente no agente infeccioso. Os testes mostraram que
as abordagens, além de causar efeitos colaterais, podem ser tóxicas.

Segundo os criadores da IMP-1088, a molécula não apresentou esses
problemas. Ela bloqueou completamente várias cepas do vírus da gripe sem afetar
as células humanas. “Precisaríamos ter certeza de que a droga estava
sendo usada contra o vírus do resfriado, e não em condições semelhantes, mas
com causas diferentes. Dessa forma, a gente conseguiu minimizar a chance de
efeitos colaterais tóxicos”, explica Solari.

A equipe planeja dar continuidade ao trabalho, inclusive para
atestar que a abordagem não é tóxica. “Esse composto só funcionou no
laboratório estudando células infectadas por vírus. Agora, precisamos realizar
estudo com animais para ver quão eficaz ele é, e também avaliar se é seguro e
bem tolerado.”

Versão inalada

Em pessoas saudáveis, o resfriado comum não é grave, mas, em casos
de asma ou de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), as consequências podem
ser preocupantes. Segundo os criadores da IMP-1088, a droga poderá evitar esse
tipo de complicação. “Se usada no início da infecção, ela poderia ser
extremamente benéfica. Estamos trabalhando para fazer uma versão que possa ser
inalada. Dessa forma, ela poderá chegar aos pulmões rapidamente e ajudar
pacientes com complicações crônicas”, explica Ed Tate, coautor e pesquisador do
Departamento de Química do Imperial College London.

Para Raquel Melo Nunes de Carvalho, pneumologista da Aliança Instituto de
Oncologia, em Brasília, um dos grandes obstáculos da terapia criada pelos
cientistas ingleses pode ser o diagnóstico precoce da gripe. “Para que esse
medicamento tenha efeito, você precisa identificá-la cedo, e isso é um processo
complicado, porque os sintomas se confundem com os de outras doenças, como a
rinite”, explica. Antes disso, porém, diz a médica, é preciso vencer os testes
clínicos. “Acredito que um próximo passo seja analisar o organismo de animais e
de humanos para saber se o mesmo se repete nesses grupos”.

Vencidas as etapas, a possibilidade de ter uma nova abordagem contra a gripe
merece comemoração e destaque, de acordo com a pneumologista. “Essa é a
infecção viral mais comum do mundo, ou seja, o impacto de um tratamento para
ela é grande”, justifica Raquel Melo Nunes de Carvalho. Segundo o pesquisador
Roberto Solari, há a possibilidade de a mesma abordagem ser usada contra o
vírus da pólio e o da febre aftosa.


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