As redes sociais provocam distorções na imagem dos que navegam por elas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 16 de maio de 2017 às 16:07
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:11
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Estudos mostram que as redes sociais denunciam cada vez mais a fragilidade egoica da maioria das pessoas

Cristiano diz que as pessoas que necessitam da admiração dos outros para serem felizes, geralmente estão com baixa autoestima

Albert Einstein foi admirado quase como sobre-humano e acabou se tornando uma das pessoas mais famosas do planeta, mas ele nunca se identificou com a imagem que a mente coletiva criou dele. 

Permaneceu humilde, e chegou a dizer o seguinte: “uma contradição grotesca entre o que as pessoas consideram serem minhas conquistas e habilidades e a realidade de quem eu sou e do que sou capaz”. 

Muitos pensam e agem como Einstein, mas é grande o número de pessoas que necessita de atenção, do amor, da admiração e até da inveja dos outros para serem felizes e se sentirem bem.

Geralmente são pessoas muito inseguras, com baixa autoestima e necessidade de autoafirmação, segundo psicólogo clínico especialista em psicoterapia de família e casal, Cristiano de Paula Meska Borges.

“Elas podem ser ciumentas, já que o ciúme está intimamente ligado à inveja – por atenção, por exemplo -, e sofrem de muita ansiedade, porque imagine só quanta energia você precisa gastar para fazer o impossível: agradar a todos que te rodeiam? Ainda pode ocorrer, conforme esse indivíduo se sinta cada vez mais inseguro, o seu isolamento”, observa.

Padronização

 Bruna acredita que as redes sociais são o termômetro da insa-tisfação e insegurança das pessoas consigo mesmas

O advogado Tânio Sad Peres Corrêa Neves concorda com Cristiano sobre a baixa autoestima desse perfil de pessoas. 

Por outro lado, ele acredita que o amadurecimento faz diminuir esse desejo de maior atenção.

“Aos mais jovens é conveniente se aceitarem como são, fugirem dessa cultura da ‘padronização’. Aprenderem os verdadeiros valores da vida e aprenderam cada um a gostar de si próprio”, opina.

No entanto, junto às conexões, fotos, selfies e check-ins, pode-se concluir que as redes sociais foram o propulsor importante para denunciar a fragilidade egoica do ser humano. 

Através delas, fica clara a necessidade incessante da aprovação do outro através dos likes e comentários que elevam a autoestima.

É a necessidade da validação, da aprovação do outro, em busca de se convencer daquilo que não tem certeza em si mesmo. 

Em outras palavras, as redes sociais são o grande termômetro da insatisfação e insegurança das pessoas consigo mesmas.

“Isso é comprovado pelo simples raciocínio de que se não conseguimos nos satisfazer em um nível mais profundo, necessariamente precisamos buscar isto fora”, pondera a representante comercial Bruna Diniz, que acredita que quando se compartilha uma foto, um link ou um pensamento nas redes sociais, são apresentados fragmentos daquilo que se deseja ser a própria definição de si mesmo.  

Muitas vezes as pessoas criam uma realidade pré-fabricada a partir das suas carências afetivas e emocionais.

“Vivemos o que gostaríamos de viver na realidade e isto agora foi possibilitado pela socialização da internet”, afirma Bruna.

A necessidade

Viviane defende o uso razoável das redes sociais, que dão voz à grande massa que nunca tiveram oportunidade de se expressar

Para o psicólogo, é exatamente isso que ocorre, já que nas redes sociais qualquer pessoa pode ser o que quiser.

Por exemplo, a pessoa pode se mostrar sempre feliz com poemas, músicas, fotos em que aparece sorridente e na verdade estar se sentindo totalmente o contrário disso. 

Parece que mostrando a terceiros como você é feliz, a partir das “curtidas”, comentários, etc., cria-se uma ilusão do tipo “acho que sou mesmo feliz, então!”

“Há sempre aquela busca compulsiva por mais e mais curtidas, se tornando isso o objeto principal de desejo da pessoa”, pondera Cristiano.

O publicitário Cássio Moura, 28 anos, diz cruzar com amigos com essa vocação. 

Há aqueles que fazem questão de contar para todo mundo onde estão naquele momento (#partiuacademia, #bomdiapraia). 

Outros chegam a cruzar o limite entre realidade e ficção na tentativa de impressionar.

“Um conhecido chegava a tirar fotos com roupas que não comprara, dentro do provador das lojas, para posar de bem vestido”, conta Cássio, que avisa os amigos cujo exibicionismo passa dos limites do que ele considera tolerável. 

Mesmo assim, diz ter excluído  de sua lista conhecidos que abusam das postagens para causar inveja.

“No fundo, a pessoa quer mostrar para o mundo quem ela gostaria de ser”, diz.

Bruna pensa igual e deixa de seguir pessoas que não a motivam e agregam em nada, que fazem publicações com sites falsos, muitas vezes com animais e pessoas doentes somente para terem curtidas.

“Vejo poucos usando as redes sociais para algo útil e tudo gera ‘brigas desnecessárias’, querem sua opinião e quando é o contrário do que querem ler, já não serve mais, além de te ofender e bloquear”, comenta.

Estudos diversos

Para Tânio, a internet ampliou a necessidade de reconhecimento, enquanto a rede social ocasiona um certo vazio em algumas pessoas

A mania de se gabar virtualmente é tão ostensiva que já despertou a atenção da ciência. 

Começam a aparecer os resultados de uma série de estudos destinados a entender por que as redes sociais podem despertar os piores sentimentos – de soberba à inveja – e os efeitos de remoê-los em velocidade 4G. 

Em meio a tantas manifestações de exibicionismo e inveja, pesquisadores se perguntam se as redes sociais são apenas um reflexo – concentrado – dos piores instintos do ser humano e se amplificam características desabonadoras do caráter.

Em defesa das redes sociais, é preciso enfatizar que a tendência para se gabar não apareceu com a tecnologia. 

Com ou sem internet, estima-se que o objetivo de 40% das falas diárias das pessoas é fornecer informações para os outros sobre si mesmas e expressar suas opiniões sobre o mundo.

“Quando a busca se torna compulsória em agradar para ser bem aceito; quando você não faz algo por si mesmo, mas pensando sempre no que o outro vai pensar, se vai gostar, e se isso te trará mais admiração, isso se torna uma necessidade, algo prejudicial”, salienta Cristiano, que recomenda nestes casos, a ajuda de um profissional.

“É preciso falar sobre suas fantasias, desejos, inseguranças para buscar uma nova maneira de levar a vida e as relações que ela nos traz”, diz.

Tânio vai além, ao defender a ideia de que a internet ampliou essa necessidade de maior reconhecimento, enquanto a rede social ocasiona certo vazio em algumas pessoas.

“Importante saber que muitas publicações não são verdadeiras. Também oportuno saber dar valor ao que realmente importa. Fugir da superficialidade e buscar conteúdo. Ampliar a cultura”, diz o advogado, que acredita ser importante sentir-se satisfeito consigo mesmo e próximo de pessoas sinceras. 

Já ter a necessidade de ser sempre desejado acaba sendo um sofrimento, é um sentimento que sempre vai gerar insatisfação.

“E não é com aumento de likes que haverá uma sensação de resolver essa necessidade. É gostar de si mesmo que fará diminuir esse desejo de atenção excessiva”, pondera.

Quando pode ser bom

Para a assessora do Departamento de História da Unesp Franca, Viviane Cristina Simões Baldochi, o uso razoável das redes sociais pode ser benéfico. 

No entanto, ela reconhece que há quem sinta a necessidade dessa extrema exposição, o que em sua opinião, denota carência afetiva. 

Nem por isso ela se sente capaz de julgar. Afinal, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. 

Particularmente, ela não tem o hábito de expor sua vida privada em redes sociais, publicando apenas o superficial ou quando não, atendendo ao apelo em dar vazão a um grito engasgado e assim angariar apoios que dão sustentação à sua voz.

“E para isso, as redes sociais cumprem bem o papel”, observa Viviane, que completa: “seja para expor uma opinião, um sentimento frustrante ou contagiante, para protestar, para dar recados, para homenagear, as redes dão voz à grande massa que nunca tiveram oportunidade de se expressar”.

A assessora do Departamento de História da Unesp Franca está certa. Afinal de contas, as redes sociais são mais que uma plataforma de autopromoção e uma fonte de inveja. Amizades nascem, se renovam e se aprofundam ali. Conhecimento é disseminado de uma forma sem precedentes.

Indignações sociais e políticas, assim como manifestações culturais, ganham corpo e se materializam. Assim como a alegria, o amor, a solidariedade. Da mesma forma que a vaidade, a inveja e a irritação. 

Não há como fugir disso numa plataforma baseada nas relações humanas. A saída é manter o humor. Rir da falta de desconfiômetro alheio ou do bom senso. Da própria dor de cotovelo. E vice-versa. 


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