Ansiedade em crianças: entenda o que pode estar por trás do problema

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 14 de abril de 2019 às 13:05
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:30
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O excesso de tecnologia e a falta de contato com a natureza são fatores que podem afetar os pequenos

Ninguém disse que esperar é uma tarefa fácil – ainda mais quando
se é criança e o mundo parece oferecer possibilidades inesgotáveis de diversão!
Mas é consenso entre pais, médicos e psicólogos que meninos e meninas de hoje
nascem muito mais acelerados e com bem menos paciência… E nascem mesmo.

O imediatismo e a ansiedade são características próprias da
geração alpha, nome dado às crianças nascidas a partir de 2010. Diferentemente
de gerações anteriores, elas já chegam ao mundo hiperconectadas, imersas em
ambientes onde a tecnologia dita o ritmo do trabalho e das relações.

Uma pesquisa realizada
com 510 crianças entre 6 e 9 anos, em parceria com o Instituto Play, mostrou
que 81% delas se informam por meio de sites de canais infantis e 83% pela TV
por assinatura. Além disso, 61% acessam o YouTube, 42% o Facebook e 40% até
navegam em sites de compra online. 

Emanuelly Espírito Santo de Souza tem apenas
2 anos, mas já está dentro dessa estatística. “Ela adora assistir a desenhos
pelo celular. Se deixarmos, passa horas ali”, conta a mãe, a cabeleireira
Adriana Aparecida do Espirito Santo, 30. Ou seja, antes mesmo de ganhar todos
os dentes de leite, essa geração já tem intimidade com o mundo virtual. E isso,
é claro, influência de forma determinante o comportamento e os valores desses
pequenos.

De um lado, os gadgets oferecem respostas imediatas. Basta um
toque para dar play em um vídeo, tirar uma foto, enviar uma mensagem. De outro,
o acesso ilimitado a sites e redes sociais expõe as crianças a uma quantidade
de informações sem precedentes. 

Por isso, essa imersão tão precoce nas
tecnologias modifica tanto a forma como elas lidam com o tempo quanto a maneira
como absorvem e processam as informações. E ambos os fatores podem colaborar
para o aumento nos níveis de ansiedade.

Uma pesquisa realizada
por dois psicólogos americanos, Jean Twenge, da Universidade Estadual de San
Diego (EUA), e Keith Campbell, da Universidade da Geórgia (EUA), associou o uso
de telas por pequenos a partir dos 2 anos à ampliação dos níveis de ansiedade e
maior ocorrência de diagnósticos. 

O estudo também observou que, entre as
crianças de até 4 anos, aquelas que eram mais expostas às telas apresentaram o
dobro de chances de perder a paciência e, pouco menos da metade delas, 46%,
apresentaram menor probabilidade de se acalmar em situações de excitação ou
estresse.

Para a educadora e
neuropsicóloga Adriana Fóz, pesquisadora do LiNC, Laboratório Interdisciplinar
de Neuroimagem e Cognição da Unifesp (SP), o problema não está no uso de
gadgets e computadores por si só, mas no exagero. “Se as tecnologias são, desde
cedo, a maior distração da criança, isso pode se tornar um problema, porque o
cérebro infantil ainda não está preparado para lidar com esse excesso de
informações”, explica.

Mais natureza

Para o escritor
americano Richard Louv, cofundador da rede internacional Children and Nature
Network, há outro fator além da tecnologia que pode contribuir de forma
significativa com o aumento dos níveis de ansiedade entre as crianças: a ausência
do contato com a natureza. “Não é por acaso que, com nossa crescente
urbanização, ou pelo menos com a disseminação da urbanização desnaturada, temos
incidências cada vez mais comuns de ansiedade e depressão”, defende. Louv é
autor do livro A última criança na natureza: Resgatando nossas crianças do
transtorno do déficit de natureza  e baseia seu
trabalho em uma série de pesquisas recentes que mostram como retomar o contato
com ambientes naturais pode trazer benefícios psicológicos e físicos para
crianças e adultos.

Adriana sabe dos ganhos de brincar ao ar livre: para equilibrar o
tempo que Emanuelly gasta com tecnologia, a família montou um balanço no
quintal de casa, onde a pequena passa boa parte do dia. “Estudos sugerem
fortemente que passar um tempo em meio à natureza pode auxiliar muitas crianças
a construir confiança em si mesmas, reduzir os sintomas do Transtorno do
Déficit de Atenção e Hiperatividade e ainda ajudá-las a se acalmar e a se
concentrar”, explica ele.

É indiscutível que o
ritmo de vida que levamos hoje, com muita tecnologia, pouco verde e muito
estresse – no trabalho, no trânsito, na escola e nas mil atividades
extracurriculares das crianças – contribui para que a ansiedade aumente. Mas
não dá para colocar tudo na conta da modernidade.

“Se fosse apenas pela
demanda de atividades ou pela demasiada exposição à tecnologia, toda criança
seria ansiosa”, explica o psiquiatra Fernando Asbahr, coordenador do Programa
de Transtornos de Ansiedade na Infância e Adolescência do IPq, Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP). Ou seja, o ambiente pode
influenciar, mas não pode ser inteiramente responsabilizado pela ansiedade das
crianças.

Já o comportamento dos
pais, esse sim pode ser um fator determinante. Um exemplo são os filhos de pais
que cobram deles performances cada vez melhores: eles precisam ser excelentes
alunos, obedientes, inteligentes, enfim, dar conta de tudo com eficiência
máxima. Diante de tanta pressão, os pequenos acabam mais ansiosos, vítimas das
cobranças externas e da autocobrança.

“A ansiedade da criança está muito ligada a como os
pais enfrentam esse estilo de vida moderno. Pais habilidosos em relação a esse
desafio, que entendem que precisam filtrar demandas e informações,
provavelmente terão mais chances de criar filhos que sabem lidar melhor com
expectativas”, explica a psicóloga Rita Calegari, do Hospital São Camilo (SP).
Por outro lado, pais que têm mais dificuldade de trabalhar com a própria
ansiedade e o estresse tendem a passar esse comportamento adiante. E isso tem
até explicação biológica. Por causa dos neurônios espelhos, que apresentam o
auge do funcionamento até os 10 anos, a criança aprende pela imitação. Observa
o outro e reproduz. E com a ansiedade também funciona assim. “Não é por acaso
que, muitas vezes, ao procurar a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra, os pais
também são encaminhados para a terapia”, conta Rita.

Mas há ainda um outro ponto essencial quando se
fala sobre ansiedade infantil. É preciso saber que há manifestações normais de
ansiedade, que são completamente diferentes de ter um comportamento ansioso. O
problema é que os próprios pais costumam fazer confusão entre uma coisa e
outra…


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